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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Repressão Policial aos Candomblés do século XX


Introdução
Por Dom Gabriel Alves do Amaral, OSB



Três palavras cabe perfeitamente dentro do contexto que vamos desenvolver sobre o Candomblé; fé, resistência e esperança. Entender uma religião no seu todo é tentar entender em suas particularidades as partes que lhe compõe, ou seja, dentro todo desse sistema é necessário aprender um pouco de cada coisa. Querer estudar uma religião é preciso também nos enveredarmos no caminho da Sociologia, da Antropologia, da Filosofia, da História, da Teologia, da Psicologia e várias outras áreas do conhecimento.

Em nosso trabalho não vai ser diferente, recorremos um pouco dessas áreas para tentar compreender as religiões de matrizes africanas como particularmente o Candomblé. Será o nosso enfoque a questão “Quais foram as estratégias utilizadas pelo negro para garantir a conquista do seu espaço dentro da sociedade? ”. Para isso, recorremos também e principalmente o texto de Júlio Braga – Religião afro-Brasileira. Práticas de Resistência e modernização. Dentro deste enfoque ficará também subtendidos outras questões como porque podemos afirmar que a repressão policial aos candomblés do século XX é mais perseguição a uma religião ou a uma raça? E o Candomblé enquanto embrião do movimento negro contemporâneo.

Iremos entender como a repressão policial ao Candomblé do século XX se tratava mais de uma perseguição aos negros do que a própria religião em si. Os negros como assegura bem Schwarcz: “ sujeitos sem corpos, sem nomes ou bens próprios” (SCHWARCZ, 1996, p.12) eram marginalizados as margens da sociedade sem poder exercer seus direitos de ser um Ser Humano e ainda de contaminar a outra “raça” com suas doenças mortais. Tudo era culpa do negro, toda desgraça vinha do negro, o que era sujo e impuro era o negro que trazia consigo para manchar a “pureza da sociedade branca”.

Contudo, como falamos acima escrever e entender sobre o candomblé é falar de fé, resistência e esperança. Arrancados de sua terra natal, transportados como força de trabalho, considerados animais, objetos, os negros conseguem, sob império total da opressão, camufladamente, adorar seus próprios deuses, se fortalecer espiritualmente e reproduzir a sua identidade cultural.






Quais foram as estratégias utilizadas pelo negro para garantir a conquista do seu espaço dentro da sociedade?

O candomblé é uma religião que tem suas origem na África e foi re-criada no Brasil pelos africanos aqui trazidos como escravos ao longo de mais de três séculos (1525-1851). Os escravos provinham das mais diferentes partes da África, mas os grandes grupos que mais influenciaram a cultura brasileira foram os bantus até o século XVIII e os sudaneses depois.
Na segunda metade do século XIX, em diversas cidades do Brasil surgiram grupos organizados de escravos que recriavam cultos religiosos que reproduziam não somente a religião africana, mas também outros aspectos da sua cultura na África. Nascia a religião afro-brasileira chamada candomblé primeiro na Bahia e depois pelo país afora. Os principais criadores dessa religião foram os negros das nações iorubás ou nagôs e os das nações fons ou jejes. Analisando de perto a história do candomblé no Brasil e principalmente na sociedade Baiana podemos afirmar que a repressão policial se tratava mais de uma perseguição a uma raça do que a uma religião, sem deixar que eles adquirisse seu mundo e seu ambiente dentro da sociedade, raça que os racistas “dominantes” consideravam diferentes das deles e usavam a desculpa das práticas religiosa para persegui-los. Contudo, essa perseguição por parte dos militantes eram apenas instrumentos para favorecer os objetivos da classe “superior” ou dominante. Depois de muitos entraves com essa classe dominante, a raça “inferior” conquistou seu espaço na sociedade.

Desde a primeira Constituição Republicana de 1891, ocorreu no Brasil a separação legal entre Igreja e Estado e, com ela, o fim ao monopólio religioso católico, a extinção do regime do padroado1, a secularização dos aparelhos estatais, do casamento e dos cemitérios. A nova ordem republicana assegurou ainda o direito constitucional da liberdade religiosa para todos os cultos e religiões. Liberdade, eis a palavra chave que durou muito tempo os negros do candomblé tentar entender e viver como mereciam, livres de qualquer represália. Maria Alice Pereira da Silva escreve com muita categoria essa questão dos negros não poderem se afirmar na sociedade brasileira cedo.


A igreja católica serviu de instrumento para legitimar o sistema escravista. Um dos primeiros atos de negação de identidade étnico-cultural era o batismo. Os negros, ao pisarem em solo brasileiro, eram batizados, aprendiam algumas palavras e orações. Marcados com ferro em brasa eram, finalmente, entregues aos seus senhores. O dia a dia dos escravizados era uma saga: moravam nas senzalas, alimentavam-se das piores iguarias, dormiam no chão frio, eram obrigados a trabalhar mais de doze horas por dia, sob a vigilância de feitores. (Maria Pereira)1


Pelas palavra de Maria Alice podemos compreender o quanto foi difícil instalar as crenças dos negros em terras brasileiras, e, sobretudo a castração dos valores que lhes eram negados. Mas foi nesse emaranhado de problemas que o negro consegue sobretudo com a religião emergir seu valor na sociedade. Valor que custou caro para uns por causa da perseguição dos que não viam no negro valor algum e sim viam como burros de carga para carregar o fardo pesado que não conseguiam sustentar. Os negros contudo, tiveram grandes estratégias para conseguir seu espaço na sociedade, uma delas foi através da religião como afirmamos acima, eles sem se separarem de seus ancestrais, diante de tantas torturas e massacres continuaram firmes na fé africana, cultivando o seu deus Olurum e nas forças cósmicas dos orixás. Garcia (2009, p.164) explica que “O povo negro desterritorializado teve na religião a fonte guardiã dos valores de sua cultura e sobrevivência diante dos horrores da escravidão, que desestruturou sua família e quase todas as suas instituições sociais”. E ainda: Costa (2009, p.20) salienta: “a grande habilidade dos antigos escravos para cultuar a religião dos dominantes sem abrir mão de suas crenças ancestrais”

O candomblé, mesmo sem sua “força vital” que seus dominantes não viam exteriormente, foi o instrumento, sutilmente, utilizado pelos negros para recuperar a sua origem, identidade étnica e se proteger de todas as formas de dominação. É de se admirar como os negros se moveram para se estruturar na sociedade. Segundo Júlio Braga, além de serem perseguidos por uma repressão policial disfarçada de interesses políticos, a imprensa também corroborava com esse feito, publicando coisas absurdas e imundas sobre o negro e sua religião. Olhando, um pouco atrás na história do Brasil, podemos constatar que o espaço do negro na sociedade não foi fácil mesmo, pois os africanos ao chegar no Brasil tiveram que por força dos colonos serem batizados e adotarem a religião católica para que esquecessem de onde vieram e sua cultura, mas foi em vão, pois eles continuaram com a mesma fé no seu deus e acabaram por adotar duas crenças. Era muito rico o valor de sua religião não poderia negar sua fé naquilo que lhes eram imposto. O Terreiro, lugar sagrado para aqueles que desejavam manter contacto com seus ancestrais, era simbolo de luta e de vitória para os negros que encontrava um sentido para vida. “O terreiro proporcionava o que Estado moderno oferece aos cidadãos e que secularmente negara à população negra” (ALVAREZ, 2006, p.98). Contudo, Para os africanos o sincretismo religioso foi uma das estratégias de resistência frente à religião dos brancos, ou seja, ao catolicismo. Desse modo, os negros associavam as suas divindades aos santos católicos. Na missa por exemplo, as orações não eram endereçadas a Santa Bárbara, Santo Antônio, São Jorge e São Roque, mas, respectivamente para Iansã, Ogum, Oxóssi e Obaluaê. Embora podendo se afirmarem e se incluírem na sociedade depois de tantas perseguições, a “religião” do negro como o Candomblé, não deixava de ser discriminada, muitos a viam ainda como práticas de feitiçaria e magia para fazer o mal ao próximo, como ainda muitos hoje vêem dessa forma, outros que não estudam sobre o candomblé tacham essa religião de “macumba”.

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