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terça-feira, 6 de julho de 2010

Virtude em Aristóteles - II Parte


AS VIRTUDES COMO CONDIÇÕES
PARA A FELICIDADE

Por Dom Gabriel Alves do Amaral, OSB


Neste capitulo pretendemos abordar a questão das virtudes como condições para a felicidade. Veremos a seguir a definição de virtude1 e para isso se faz necessário analisar três pontos importantes. No primeiro ponto vamos fazer uma pequena diferenciação do que são virtudes éticas (morais) e virtudes dianoéticas (conhecimento)2. O segundo ponto falará de como as virtudes intelectuais podem ser adquiridas por nós e de que maneiras as adquirimos. No terceiro e último abordaremos a distinção da ação moralmente boa da ação má pela conformidade da “reta razão”. Abrimos também um parêntese para falarmos sobre as ações voluntárias e involuntárias. Uma ação é involuntária quando o agente que está praticando a ação não participa dela conscientemente e está sob compulsão e voluntária quando acontece o contrário, o agente sabe o que está fazendo, ou seja, age conscientemente.
Entraremos na questão das virtudes éticas ou morais, falando principalmente de sua natureza não-racional (α-λογον), e sua condição para o viver feliz. Logo a seguir também falaremos das virtudes dianóeticas levando em conta principalmente sua natureza racional (λογον) sabedoria filosófica (σοπηια =Sophia) e sabedoria prática (πηρονεσις =Phrónesis) como condição de felicidade da parte intelectiva do homem.

2.1 Definição de virtude

Em Aristóteles existe um elemento indispensável para o homem alcançar a felicidade, esse elemento indispensável é a virtude. Afirmando que a felicidade é atividade da alma segundo a virtude perfeita, Aristóteles é levado a estudar profundamente o que é virtude. Este estudo se estende do fim do primeiro livro da Ética a Nicômaco até o oitavo livro, onde ele aborda a questão do amor de amizade. As virtudes em geral se fundam sobre certas disposições naturais. É virtude do olho ver, pois ver é função fundamental do próprio olho. O corpo num todo tem sua função que exercitada consoante a natureza, constitui a sua virtude. Para Aristóteles é necessário o exercício continuo das virtudes para que a virtude se torne uma segunda natureza, não basta uma ação virtuosa para dizer que o homem é virtuoso, é preciso que tenham o hábito das virtudes. Para analisar a definição de virtude em Aristóteles é necessário analisar três pontos:
Primeiro: As virtudes éticas e as virtudes dianoéticas se diferenciam pelos seus sujeitos respectivos: as várias potências da alma humana, umas possuindo a razão (alma intelectiva), outras limitadas à sua participação (alma sensitiva). As virtudes dianoéticas aperfeiçoam as virtudes éticas, pois estas são parcialmente racionais e subordinadas a elas.
Segundo: Este segundo ponto trata da diferença de nossas potencias, nossas virtudes não são inatas em nós, porém é necessário adquiri-las. As virtudes éticas são adquiridas através do exercício contínuo de ações moralmente boas. Assim como Aristóteles chama a atenção para o fato de que o ensino pode gerar na inteligência do aluno virtudes intelectuais (dianoéticas), da mesma maneira afirma que o exercício repetitivo de ações moralmente boas possui verdadeira causalidade com relação às virtudes éticas. Embora adquiridas, estas virtudes determinam e aperfeiçoam na realidade o que a natureza não possuía senão imperfeitamente no inicio.

É evidente, portanto, que nenhuma das várias formas de excelência3 moral se constitui em nós por natureza, pois nada que existe por natureza pode ser alterado pelo hábito. Por exemplo, a pedra que por natureza se move para baixo, não pode ser habituada a mover-se para cima; ainda que alguém tente habituá-la jogando-a dez mil vezes para cima (...) Portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza a excelência moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-la, e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito (E.N. II, 1, 1103 a).

Terceiro: ações moralmente boas, que estão na origem da aquisição da virtude, distinguem-se de ações más, pela sua conformidade à “reta razão”. Com efeito, manifesta-se como que mensurada pela “reta-razão” ορτο-λογος. Ora, se ela é ação medida, não pode ser perfeita senão ao realizar-se num justo meio. O excesso ou a falta faz lhe perder a nobreza, sua qualidade própria de bondade moral. Ao comentar o que é virtude André Comte-Sponville no seu pequeno tratado das grandes virtudes, parece se assemelhar com a concepção aristotélica.

O que é uma virtude? É uma força que age, ou que pode agir. Assim a virtude de uma planta ou de um remédio, que é trator, de uma faca, que é cortar, ou de um homem, que é querer e agir humanamente. Esses exemplos, que vêm dos gregos, dizem suficiente o essencial; virtude é poder, mas poder especifico. A virtude do heléboro não é a da cicuta, a virtude da faca não é a da enxada a virtude do homem não é a do tigre ou da cobra. A virtude de um ser é o que constitui seu valor em outras palavras, sua excelência própria: a boa faca é a que corta bem, o bom remédio é o que cura bem, o bom veneno é o que mata bem... (COMTE-SPONVILLE, 2002, pp. 7-8).

Graças a esta análise por estes três pontos podemos dizer que a virtude ou a “excelência moral, então, é uma disposição4 da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio (o meio termo relativo a nós) determinado pela razão (a razão graças à qual um homem dotado de discernimento o determinaria)” (E.N. II, 6, 1106 b).
A virtude relaciona-se com paixões e ações, porém, um sentimento ou uma ação pode ser voluntária ou involuntária. Ações ou paixões voluntárias dispensa-se louvor e censura, enquanto as involuntárias merecem perdão, por isso é necessário distinguir entre o voluntário e involuntário. São involuntárias aquelas ações que ocorrem sob coação e ignorância. É compulsório ou forçado aquilo em que o primeiro motor está fora de nós e para tal em nada contribui a pessoa que age ou sente a paixão. Neste sentido, tais atos assemelham-se aos voluntários pelo fato de serem escolhidos, e o principio motor estar no agente, por estar na pessoa fazer ou não fazer. Ações de tal espécie são voluntárias, mas, em abstrato talvez sejam involuntárias, já que ninguém as escolheria por si mesma. As ações são forçadas quando as causas encontram-se externas ao agente e ele em nada contribuiu. O voluntário parece ser aquilo cujo motor se encontra no próprio agente que tenha conhecimento das circunstancias particulares do ato, como é o caso da virtude que se torna um hábito por ações voluntariamente exercitadas.
Agora que sabemos que a virtude é o habito que torna o homem bom e lhe permite cumprir bem a sua tarefa; e que a virtude é racional adequada e constante, é necessário especificar a natureza das virtudes intelectuais e as diversas relações que as unem, e também descrever e analisar na visão aristotélica as virtudes éticas.
2.2 Virtudes éticas ou morais

Antes de especificarmos a natureza das virtudes dianoéticas e sua condição para a felicidade, vamos primeiro analisar a natureza das virtudes éticas e sua condição. Sabendo que a virtude é uma condição sine qua non da ética aristotélica e sem ela o individuo jamais alcançará a felicidade perfeita, Aristóteles analisa sua importância na alma racional e irracional.
Como já falamos no capitulo anterior, a alma em Aristóteles é composta de três partes: na parte racional está a alma intelectiva e na parte irracional está a alma vegetativa e a alma sensitiva. Esta por sua vez é parcialmente racional, pois ela obedece e se deixa ser comandada pela razão.
As virtudes éticas, como sabemos tem sua fonte na natureza irracional (α-λογον), mas são parcialmente racionais pelo fato delas se submeterem a razão e com isso são virtudes propriamente humanas que estão relacionadas principalmente com a questão moral dominando os impulsos irracionais e as ações que não estão conforme a reta-razão (ορτο-λογος)
As virtudes éticas ou morais possuem como função especifica tornar perfeita a parte sem razão da alma e por isso são adquiridas através do exercício contínuo e do hábito:

[...] Na prática de atos em que temos de engajarmos dentro de nossas relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos na prática de atos ou em situações perigosas, e adquirindo o hábito de sentir receio ou confiança, tornamo-nos corajosos ou covardes. O mesmo se aplica aos desejos e a ira; algumas pessoas se tornam moderadas e amáveis enquanto outras se tornam concupiscentes ou irascíveis, por se comportarem de maneira diferentes nas mesmas circunstancias. Em uma palavra, nossas disposições morais resultam das atividades correspondente às mesmas. É por isto que devemos desenvolver nossas atividades de uma maneira pré-determinada, pois nossas disposições morais correspondem as diferenças entre nossas atividades. Não será pequena a diferença, então, se formarmos os hábitos de uma maneira ou de outra desde a nossa infância; ao contrário ela será muito grande, ou melhor, ela será decisiva ( E.N. II, 1, 1103 b).


As virtudes éticas estão relacionadas aos sentimentos, impulsos e paixões de nossa alma e que por si mesmos não são bons nem maus, todavia, podem tornar-se virtuosos ou viciosos conforme sua posição na mediania e na extremidade. No exercício da virtude deve existir igualmente uma proporção certa para que assim o individuo possa agir corretamente ou virtuosamente para alcançar a felicidade perfeita. Contudo, a vida errada ou viciosa tem igualmente como sua conseqüência o enfraquecimento da vontade e da liberdade em querer o bem, enquanto a própria razão perde a lucidez e o discernimento.
Aristóteles observa que as virtudes éticas estão profundamente ligadas ao prazer e ao sofrimento e que as más ações praticadas pelo homem residem no fato deste procurar o fácil e imediato, distanciando-se desta forma, das ações nobilante quando a prática destas requer o sofrimento. Superar esta situação, de acordo com ele, é algo que deve acontecer desde a infância. Saber gostar das coisas certas, das pessoas certas e aplicar seus bens nas coisas certas e fontes certas conforme a reta razão, isso é o programa da verdadeira educação aristotélica:

Além disto, é mais difícil lutar contra o prazer do que contra a própria cólera, para usar a frase de Heráclito, mas tanto a arte quanto a excelência moral estão permanentemente preocupados com o que é difícil, pois até as coisas boas são melhores quando são difíceis (E.N. II, 3, 1105 a).

As virtudes éticas se constituem por assim dizer, nos requisitos permanentes e necessários para que o homem possa viver equilibradamente consigo mesmo e com os outros. Devem-se sempre procurar o meio-termo, pois o primeiro principio é agir conforme o justo meio.
Aristóteles nos oferece um catálogo com a exposição dessas virtudes: a coragem, a moderação, a liberalidade, a magnificência, a magnanimidade, a amabilidade, a gentileza, a veracidade, a justiça e a amizade. Contudo, pretendemos abordar cinco dentre essas dez: a coragem, a moderação, a liberalidade, a justiça e a amizade. Para o estagirita, vale ressaltar que todas são condições para o homem alcançar o Bem Supremo.
Cada uma delas é o meio-termo entre a falta e o excesso, por exemplo: a coragem é o meio-termo entre a covardia que é falta e a temeridade que o exagero ou excesso de coragem. A moderação é o meio-termo relativo aos prazeres do corpo entre a insensibilidade que é a falta de prazer e a concupiscência que é o exagero de prazer. A liberalidade é o meio-termo relativo aos ganhos e bens entre a avareza que é a falta ou apego dos bens e a prodigalidade que o excesso de esbanjar com pessoas erradas e com coisas erradas no momento errado. A justiça já não parece ser um meio-termo propriamente dito, mas uma proporção, sua falta e excesso são vícios por completo, é a injustiça, pois ninguém faz injustiça de mais nem de menos, se faz, faz injustiça ou justiça. A amizade, contudo, também não parece ser um meio-termo como a justiça, mas Aristóteles faz diversas diferenças dentro da amizade, sendo como verdadeira a amizade que reúne todos os indivíduos que vê no outro um bem e lhe deseja ajudar seja em que for suas circunstancias.
Agora especificaremos duas virtudes básicas para Aristóteles, a coragem e a moderação como meio termo em relação aos dois mais fortes impulsos do homem, a recusa da dor e a busca do prazer.
Aristóteles começa a definir a andreia = coragem: “é um meio-termo entre o medo e a temeridade”. Neste sentido o meio termo é entendido como algo que existe entre os extremos, ou seja, o excesso e a falta. “[...] por meio-termo no objeto entendo aquilo que é eqüidistante de ambos os extremos, e que é um só e o mesmo para todos os demasiado nem demasiadamente pouco – este não é um só e o mesmo para todos” (E.N, II, 6, 1106 b).
A coragem é situada como a primeira virtude do caráter, donde são definidos seus extremos, o medo e a temeridade. Existe uma certa preocupação por parte de Aristóteles em determinar precisamente em que consiste a coragem, estabelecendo desse modo aquilo que deve ser temido. É verdade que temos medo de alguns males como, por exemplo, a desonra, a pobreza, a doença e a morte. O medo5 do qual estamos falando é o medo prudente e equilibrado do homem diante de tais ações, porém o medo como a falta da coragem é a covardia. Ser covarde no pensamento de Aristóteles é fugir de suas responsabilidades, é quando exigem de nós atitudes nobres para passar para um estado de mediocridade, especificamente nos casos de guerra. Segundo Aristóteles o homem corajoso não foge com medo de morrer, pelo contrário, ele enfrenta o perigo por uma causa honrosa mesmo sabendo que vai morrer. Numa batalha em que o homem não consegue vencer usando de sua coragem, ele pode morrer nobremente, por exemplo, em virtude de um bem, que é a honra.
A coragem não se refere a males que não dependem de nós: como a pobreza, a desonra, a doença e a morte, mas aqueles que provém de nossa deficiência moral: “Talvez não devemos temer a pobreza e a doença, nem de um modo geral os males que não provêm da deficiência moral nem devidos ao próprio homem, e o homem destemido em relação a estes males não é realmente corajoso [...]” (E.N. III, 6, 1115 a). O homem realmente corajoso é aquele que se mede diante das adversidades da vida e sabe enfrentá-las de forma correta, tendo em vista a honra como o fim e o reconhecimento da sua virtude.
A temeridade por outro lado é o excesso da coragem. Esse extremo leva o homem cometer as mais vis das loucuras humanas. A temeridade, a falta de medo ou exagero da coragem é um extremo totalmente desequilibrado em que o homem não sabe usar ou calcular o perigo que pode estar lhe causando. Falando de perigo, se quer tem a noção de perigo, pois uma vez que é exageradamente corajoso, não teme os males e nem tem o conhecimento de parar na hora certa quando é preciso em virtude da defesa da vida. A coragem também pode funcionar como um mecanismo de defesa da vida, pois diante de uma certa ação perigosa o homem corajoso tem a coragem de parar. O corajoso neste sentido é também humilde pois se deixa guiar pela razão que é prudência e conhecimento de agir corajosamente quando e onde é preciso.
Dos diversos casos que se assemelham à coragem, Aristóteles destaca a coragem do soldado-cidadão devido esta estar mais próxima da coragem verdadeira. Os soldados-cidadãos enfrentam perigos maiores por causa de suas finalidades imposta pelas leis, como também, motivados pelas honrarias e reconhecimento social. Neste sentido, Aristóteles chama a atenção para o fato dessa espécie de coragem ser resultado da excelência moral, pois ela provêm do sentimento de vergonha e de um desejo relacionado à um fim nobre (a honra) e do desejo de evitar a desonra, que é por desta forma ignóbil. Aristóteles inclui ainda nesta categoria os soldados-cidadãos que agem sob imposição de um chefe ou de um comandante.
A coragem do soldado é nesta instancia uma coragem não muito positiva pelo fato dela ser usada mediante compulsões, pois todos que seguem neste caso usam a compulsão e não a coragem nobilante de um soldado verdadeiramente corajoso. Por isso assegura Aristóteles:

Todos que estão neste caso usam a compulsão, mas um homem deve ser corajoso não sob compulsão, e sim porque a coragem é nobilante. A experiência em relação a uma espécie de coragem, daí surgiu a noção de Sócrates, segundo a qual a coragem é conhecimento (E.N. III, 7, 1116 a).

O exercício da coragem não é acompanhado de prazer e sim de sofrimento e está exatamente aí o mérito das pessoas verdadeiramente corajosas, “pois difícil enfrentar e que é penoso do que abster-se de coisas agradáveis” (E.N. III, 7, 1116 b). Para Aristóteles a prova verdadeira de coragem reside em suportar com altivez as situações que provocam sofrimento.
Aristóteles define a virtude da moderação como forma de excelência moral da parte irracional da alma que diz respeita ao prazer. Em seguida ele estabelece uma distinção entre os prazeres do corpo originados da nossa natureza sensível e os prazeres da alma, situando nesta última categoria o amor ao conhecimento como às honrarias ou reconhecimento social. Para Aristóteles este tipo de prazer, não é vivenciado pelo homem na sua natureza corporal, mas sim em sua alma. Estes prazeres são verdadeiros, legítimos e dignos do homem livre. Por isso não lhes são atribuídos a moderação ou a concupiscência, o mesmo se passando com a grande maioria daqueles que vivenciam os prazeres corriqueiros de ouvir contos históricos. Segundo Aristóteles, tais pessoas não são concupiscentes e sim tagarelas.
A virtude da moderação é o justo meio relativo aos prazeres entre a concupiscência e a insensibilidade. Sendo a primeira o excesso e a segunda a falta. Aristóteles escreve que os prazeres aos quais se aplica a moderação não são quaisquer prazeres, mas os do corpo, entre os quais é preciso especificar os do tato e do paladar:

A moderação e a concupiscência, contudo, relacionam-se com a espécie de prazeres que os outros animais também sentem e por isso parecem servis e bestiais; tais prazeres são os do tato e do paladar. Mas do paladar propriamente dito eles parecem depender pouco ou nada. Pois a função do paladar é distinguir os sabores, como fazem os provadores de vinho e as pessoas que temperam as iguarias; mas estas quase não sentem prazer em fazer tais distinções (pelo menos os concupiscentes não o sentem) e sim no gozo efetivo, que em todos os casos um através do tato, tanto em relação aos alimentos quanto à bebida e às relações sexuais. É por isto que um certo glutão fazia súplica para que sua garganta se tornasse mais longa que o pescoço da garça, querendo dizer que era do o contacto que ele sentia prazer (E.N, III, 10, 1118 a).


Para Aristóteles são pouquíssimas pessoas que são insensíveis aos prazeres carnais6 referente aos que os animais sentem. Essa insensibilidade, escreve o filosofo, não é humana e nem normal. Aristóteles categoriza as pessoas moderadas como pessoas equilibradas que agem com a reta razão para dominar seus apetites ou suas emoções, por isso “as pessoas moderadas ocupam uma posição intermediária em relação as estes objetos de desejo, pois nem elas se comprazem com as coisas com que mais se comprazem as pessoas concupiscentes [...]”. (E.N. III, 11, 1119 a). As pessoas que procuram os prazeres exageradamente acabam encontrando sofrimento e frustração pelo fato de nem sempre alcançarem o fim desejado. Ao contrário isto não acontece com as pessoas que são moderadas pois estas tem a capacidade de se manterem serenas e equilibradas. Neste sentido, tradutores e alguns autores preferem usar o termo “temperança”7 ao invés de “moderação”.
O que é próprio das pessoas moderadas é o fato delas serem possuidoras de uma hierarquia de valores diferentes. Os seus valores estão situados em outro nível de referencia, de modo que elas são indiferentes e dão pouca importância àquilo que deleita os concupiscentes. Mesmo quando se sentem bloqueados naquilo que lhes pode causar prazer, não se desequilibram, não ficam ansiosas ou jamais sofrerão de maneira irracional. Neste sentido, as pessoas moderadas se manifestam como equilibradas na vivencia de seu próprio prazer, desejando as coisas certas, no momento certo e com pessoas certas como descreve o próprio Aristóteles “realmente, as pessoas que ignoram estas ressalvas amam tais prazeres mais do que elas merecem, mas o homem moderado não é uma pessoa deste tipo e sim é a espécie de pessoas conforme à reta razão” (E.N. III, 11, 1119 a).
Tanto a virtude da coragem como da moderação, moderam o apetite sensível e enobrecem-no, permitindo-lhe exercer-se segundo as exigências da reta razão. Enquanto a coragem aperfeiçoa o irascível; a moderação aperfeiçoa o concupiscível. Todas as virtudes éticas ou morais como já deixamos bem claro necessita de outras virtudes que faz parte da racionalidade da alma. As virtudes dianoéticas são assim essas virtudes que compões e ajuda a imperfeição da alma. Quanto às virtudes da justiça e da amizade que são propriamente políticas falaremos no capítulo seguinte.

2.3 Virtudes Dianoéticas

Analisando bem a duplicidade da alma, Aristóteles divide por igual as virtudes em duas partes: As virtudes intelectuais e virtudes éticas ou morais. As virtudes intelectuais recebem o nome de dianoéticas, elas são o resultado do ensino e por isso necessitam do tempo e da experiência; já as virtudes morais são adquiridas mediante o resultado do hábito, elas não são inatas em nós, mas são adquiridas pelo exercício contínuo de nossas ações moralmente boas.
As virtudes dianoéticas são as que contribuem para o crescimento e o funcionamento das faculdades racionais. Neste sentido elas são duas: Sabedoria Filosófica ou Teórica (σοπηια) e Sabedoria prática (πηρονεσις). Contudo, existe uma parte da alma racional, que sabe e contempla os primeiros princípios e a substancia permanente e imutável de tudo que há. Esta parte racional dotada de conhecimento recebe o nome de faculdade cientifica. A outra parte se preocupa com aquilo que é passivo, transitório, contingente e mutável. Esta, porém, se destina aos entes e realidades da nossa vida prática e Aristóteles nomeia-a de faculdade calculativa. A parte cientifica da alma tem como sua virtude em si a sabedoria filosófica ou sapiência (Sophia); a parte calculativa tem por virtude outra sabedoria, que no entanto, não compete um saber cientifico, mas um saber prático ou uma sabedoria prudente (Phrònesis ou discernimento)
Nesse mesmo contexto é necessário sabermos o que vem a ser essa sabedoria filosófica e essa sabedoria prática. Comecemos, então, pela sabedoria filosófica (Sophia). O próprio Aristóteles nos diz “a sabedoria filosófica é uma combinação de conhecimento cientifico com a inteligência, que permite perceber e que há de mais sublime na natureza” (E.N. VI, 7, 1140 b). Para isso Aristóteles esclarece muito bem a diferença da sabedoria filosófica com a arte, e que esta não pode ser confundida com a sabedoria propriamente dita.

A palavra “sabedoria” é usada nas artes para assinalar os mestres mais perfeitos em suas respectivas artes – por exemplo, Fídias como escultor em geral e Policleto como escultor de figuras – e neste sentido nada mais queremos dizer com “sabedoria”, neste caso do que excelência artística; mais pensamos que algumas pessoas são sábias em geral, e não em alguma esfera particular [...] (E.N. VI, 7, 1141 a)

A sabedoria filosófica ou sapiência leva o homem a conhecer as realidades que estão por cima. É no exercício desta virtude que é formada a perfeição da atividade contemplativa, é por esta virtude também que o homem alcança a felicidade máxima. Neste sentido, o que torna a sabedoria filosófica superior as outras formas de modalidades de conhecimento, é ser destituída de finalidades práticas e igualmente a grandeza de seu objeto. Portanto, a sabedoria filosófica configura-se, como uma atividade plenamente livre e independente (αυταρ), fruto apenas do desejo natural do homem em querer conhecer. Ela se quer se preocupa com os meios necessários para fazer o homem feliz, pois “ela não indaga como as coisas podem existir” (E.N. VI, 7, 1143 b).
As pessoas sábias em geral são dotadas de sabedoria filosófica e essa é o modo mais perfeito de conhecimento correspondendo sempre o sujeito à capacidade de saber os primeiros princípios. Neste sentido, Aristóteles chama a atenção para o fato de não esquecermos que a sabedoria filosófica é composta de uma certa combinação.

Das considerações precedentes resulta então a evidência de que a sabedoria filosófica é uma combinação do conhecimento cientifico com a inteligência, que permite perceber o que há de mais sublime na natureza. Por isto dizemos que Anaxágoras, Tales e homens como eles tem sabedoria filosófica [...] (E.N. VI, 7, 1141 a).

Aristóteles estabeleceu uma certa supremacia da sabedoria filosófica em relação à ciência política, essa como é notado é voltada para as realidades práticas do mundo humano e por isso é função dela realizar a finalidade para a cidade gerando os fins das demais ciências. Contudo, aquilo que a ciência política tem de útil e necessário não consegue ainda ficar superior à sabedoria filosófica, pois a sabedoria filosófica tem seu âmbito na racionalidade, ela contempla para depois partir para o mundo prático, isto é, ela teoriza e depois se concretiza.
A ciência política como o discernimento gira em torno das realidades históricas, mutáveis e contingentes do mundo humano, enquanto a sabedoria filosófica, mostra sua superioridade por ser transcendente às coisas materiais, elevando assim o espírito humano para sua mais elevada atividade e suprema realização que é a vida contemplativa ou a felicidade perfeita. Esta felicidade suprema que o homem experimenta por meio da virtude intelectual lhe parece como única e incomparável, pois “a vida conforme qualquer espécie de excelência moral é feliz somente de um modo secundário, pois as atividades conforme a estas espécies são puramente humanas” (E.N. X, 8, 1117 a).
Agora como foi proposto vamos entender o que vem a ser a sabedoria prática, discernimento ou Phrònesis8. O discernimento ou sabedoria prática não é um conhecimento cientifico e nem uma arte. O próprio Aristóteles o define: “O discernimento deve ser então uma qualidade racional que leva à verdade no tocante às ações relacionadas com os bens humanos” (E.N. VI, 5, 1140 a). Neste mesma linha de pensamento, o discernimento tem como característica deliberar bem o que é conveniente para o homem.

Pensa-se que é característica de uma pessoa de discernimento ser capaz de deliberar bem acerca de que é bom e conveniente para si mesma, não em relação a um aspecto particular – por exemplo, quando se quer saber quais espécies de coisas que concorrem para a saúde e para o vigor físico – e, sim, acerca das espécies de coisas que nos levam a viver bem de um modo em geral. (E.N. VI, 5, 1140 a).


Aristóteles define também o discernimento como “este olho da alma” querendo dizer que o discernimento é uma virtude fundamental do homem sensato que sabe guiar a sua vida de forma correta e eficaz. Mas é necessário entendermos que não se pode confundir o homem dotado de discernimento com o homem sagaz ou astuto. Por esta virtude fazer parte da nossa alma racional ela não pode ser o mesmo que sagacidade ou perspicácia, uma espécie de “jogo de cintura” do qual certos indivíduos são por natureza dotados. No sentido mais concreto podemos dizer que o discernimento é uma espécie de guia que orienta o homem nos seus atos concretos no mundo, na medida em que é por meio do discernimento ou da sabedoria prática que podemos deliberar e escolher coerentemente.

É óbvio que, ainda que o discernimento não tivesse qualquer valor prático, teríamos necessidade dele porque ele é a forma de excelência moral da parte de nosso intelecto à qual ele convém; é óbvio também que a escolha não será acertada sem discernimento, da mesma forma que não o será sem a excelência moral, pois o discernimento determina o objetivo e a excelência moral nos faz praticar as ações que levam ao objeto determinado (E.N. VI, 13, 1144 b)

Aristóteles põe em destaque especial o discernimento porque ele está presente nas deliberações do saber prático e da inteligência, e age justamente no intuito de identificar a verdade em todas as atividades particulares humanas. Possuir discernimento em última análise, é ter maturidade intelectual, ou seja, ter a capacidade de agir acerca de si mesmo, com a responsabilidade de agir sempre em consonância com o justo meio termo, que é determinado pela reta razão. Contudo, apesar dele não ter uma certa primazia em relação à sabedoria filosófica chega a afirmar que com a sua posse a pessoa terá todos as formas de excelência moral.





















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