Sobre a Faculdade São Bento da Bahia

sábado, 10 de julho de 2010

Fonte Vaticana - Notícias!


AMANHÃ, 11 de Julho na Festa de São Bento,
O Papa rezará o "Angelus"
no Palácio Apostólico de Castel Gandolfo.



Amanhã ao meio-dia, na festa de São Bento, padroeiro da Europa, o Papa conduzirá a oração do Angelus no Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, para onde se mudou na última quarta-feira por um período de descanso. O santo de Núrsia, fundador do monaquismo ocidental, que teve uma influência fundamental no desenvolvimento da civilização europeia, é também o patrono do Pontificado de Bento XVI, que dedicou muitos esforços e especifica a catequese público em geral.
fala Sergio Centofanti: Papa Bento indica "como uma luz para o nosso caminho ... um verdadeiro mestre em cuja escola podemos aprender a arte de viver 0 verdadeiro humanismo". Viveu entre os séculos V e VI, época em que o mundo foi sacudido por uma tremenda crise de valores e de instituições, causada pelo colapso do Império Romano, a invasão de novos povos e pela decadência dos costumes. O jovem São Bento aposentado viveu por três anos em uma caverna perto de Subiaco. Este é um período de solidão com Deus, considera Bento XVI, que diz que foi um tempo de maturação: "Você tinha que suportar e superar as três tentações fundamentais de todo ser humano: a tentação de si e do desejo de colocar-se no centro, a tentação da sensualidade e Finalmente, a tentação da ira e da vingança. Bento foi, de fato, convencido de que só depois de vencer estas tentações, ele poderia dizer uma boa palavra para a sua situação de necessidade. E, assim, conciliar a sua alma, foi capaz de controlar totalmente os impulsos do ego e, portanto, ser um criador de paz em torno dele. " (Audiência Geral de 9 de abril, 2008), Bento Só então decidiu fundar o primeiro mosteiro e para seus monges uma "Regra", que combina a oração, estudo e trabalho, uma síntese perfeita de ação e contemplação: "Sem oração não há experiência Mas a espiritualidade de Deus de Bento não ficou de fora de uma realidade interior. Na ansiedade e confusão de seu tempo, viveu sob o olhar de Deus e, portanto, nunca perdeu de vista os deveres da vida cotidiana" (Audiência Geral de 9 de abril, 2008) Na sua Regra, Bento fala da obediência do monge que deve corresponder a sabedoria do Abade: estes "devem ser tanto um pai amoroso e um professor rigoroso (2,24), uma verdadeiro educador. Inflexível contra os vícios, no entanto, é especialmente chamados a imitar a ternura do Bom Pastor (27,8), para "ajudar ao invés de dominar" (64,8), "aumentar em mais obras do que em palavras tudo o que é bom e santo »e a« ilustrar os divinos mandamentos com seu exemplo »(2,12):" Para ser capaz de tomar decisões responsáveis, incluindo o abade deve ser aquele que escuta "os conselhos dos irmãos" (3.2 ), porque "muitas vezes Deus revela ao mais jovem a solução melhor» (3,3). Esta disposição torna surpreendentemente moderna uma Regra escrita séculos quase quinze anos! Um homem de responsabilidade pública, e mesmo em pequenas áreas deve ser sempre um homem que sabe escutar e aprender com o que está escutando. " (Audiência Geral de 9 de abril, 2008) São Bento - O Papa sublinha - tem feito muito para a formação da civilização e cultura europeias. Ainda hoje, num momento em que o velho continente "em busca de sua identidade", a Europa mostra o caminho a seguir: "Para criar uma unidade nova e duradoura, são certamente importantes os instrumentos políticos, econômicos e legais, mas também deve levantar uma renovação ética e espiritual que se baseia nas raízes cristãs do continente, caso contrário, não podemos reconstruir a Europa. Sem esta seiva vital, o homem permanece exposto ao perigo de sucumbir à antiga tentação de querer redimir-se - uma utopia que, de maneiras diferentes, na Europa do século XX causou, como observou o Papa João Paulo II, "o declínio sem precedentes na história conturbada da humanidade "(Ensinamentos, XIII / 1, 1990, p. 58). (Audiência Geral, 9 de abril, 2008)

Fonte: www.radiovaticana.com

Domani, nella Festa di San Benedetto,
l'Angelus del Papa
a Castel Gandolfo

Domani a mezzogiorno, nella festa di San Benedetto, patrono d’Europa, il Papa guiderà la preghiera mariana dell’Angelus nel Palazzo Apostolico di Castel Gandolfo, dove si è trasferito mercoledì scorso per un periodo di riposo. Il Santo di Norcia, fondatore del monachesimo occidentale che ha avuto un influsso fondamentale sullo sviluppo della civiltà europea, è anche il patrono del Pontificato di Benedetto XVI che gli ha dedicato numerosi interventi e una catechesi specifica all’udienza generale. Ce ne parla Sergio Centofanti:
Il Papa indica San Benedetto “come una luce per il nostro cammino … un vero maestro alla cui scuola possiamo imparare l’arte di vivere l’umanesimo vero”. Vissuto a cavallo tra il V e il VI secolo, in un’epoca in cui il mondo era sconvolto da una tremenda crisi di valori e di istituzioni, causata dal crollo dell’Impero Romano, dall’invasione dei nuovi popoli e dalla decadenza dei costumi, il giovane San Benedetto si ritira per tre anni in una grotta nei pressi di Subiaco. Questo periodo di solitudine con Dio, fu per Benedetto un tempo di maturazione:
“Qui doveva sopportare e superare le tre tentazioni fondamentali di ogni essere umano: la tentazione dell’autoaffermazione e del desiderio di porre se stesso al centro, la tentazione della sensualità e, infine, la tentazione dell’ira e della vendetta. Era infatti convinzione di Benedetto che, solo dopo aver vinto queste tentazioni, egli avrebbe potuto dire agli altri una parola utile per le loro situazioni di bisogno. E così, riappacificata la sua anima, era in grado di controllare pienamente le pulsioni dell’io, per essere così un creatore di pace intorno a sé”. (Udienza generale, 9 aprile 2008)

Solo allora Benedetto decide di fondare i primi monasteri e dà ai suoi monaci una “Regola” che unisce preghiera, studio e lavoro, una perfetta sintesi di azione e contemplazione:
“Senza preghiera non c’è esperienza di Dio. Ma la spiritualità di Benedetto non era un’interiorità fuori dalla realtà. Nell’inquietudine e nella confusione del suo tempo, egli viveva sotto lo sguardo di Dio e proprio così non perse mai di vista i doveri della vita quotidiana e l’uomo con i suoi bisogni concreti”. (Udienza generale, 9 aprile 2008)

Nella sua “Regola”, Benedetto parla dell’obbedienza del monaco cui deve corrispondere la saggezza dell’Abate: questi “deve essere insieme un tenero padre e anche un severo maestro (2,24), un vero educatore. Inflessibile contro i vizi, è però chiamato soprattutto ad imitare la tenerezza del Buon Pastore (27,8), ad “aiutare piuttosto che a dominare” (64,8), ad “accentuare più con i fatti che con le parole tutto ciò che è buono e santo” e ad “illustrare i divini comandamenti col suo esempio” (2,12):
“Per essere in grado di decidere responsabilmente, anche l’Abate deve essere uno che ascolta ‘il consiglio dei fratelli’ (3,2), perché ‘spesso Dio rivela al più giovane la soluzione migliore’ (3,3). Questa disposizione rende sorprendentemente moderna una Regola scritta quasi quindici secoli fa! Un uomo di responsabilità pubblica, e anche in piccoli ambiti, deve sempre essere anche un uomo che sa ascoltare e sa imparare da quanto ascolta”. (Udienza generale, 9 aprile 2008)

San Benedetto – sottolinea il Papa – tanto ha fatto per la formazione della civiltà e della cultura europea. E ancora oggi, in un’epoca in cui il vecchio continente “è alla ricerca della propria identità”, indica all’Europa la strada da percorrere:
“Per creare un’unità nuova e duratura, sono certo importanti gli strumenti politici, economici e giuridici, ma occorre anche suscitare un rinnovamento etico e spirituale che attinga alle radici cristiane del Continente, altrimenti non si può ricostruire l’Europa. Senza questa linfa vitale, l’uomo resta esposto al pericolo di soccombere all’antica tentazione di volersi redimere da sé – utopia che, in modi diversi, nell’Europa del Novecento ha causato, come ha rilevato il Papa Giovanni Paolo II, “un regresso senza precedenti nella tormentata storia dell’umanità” (Insegnamenti, XIII/1, 1990, p. 58)”. (Udienza generale, 9 aprile 2008)

Fonte:
www.radiovaticana.com

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Fonte Vaticana - Noticias!


BISPOS ALEMÃES: EMBRIÃO DEVE
TER DIREITOS
IGUAIS AOS DE
UM SER HUMANO

Colônia, 08 jul (RV) – O Episcopado alemão criticou o Supremo Tribunal Federal do país, por aprovar um processo que, na fertilização in vitro, permite descartar embriões com dano genético.

A discussão gira em torno do Diagnóstico Pré-Implantacional (DPI), um exame que pode ser utilizado, na fertilização in vitro, com a finalidade de detectar nos embriões a existência de alguma doença genética, antes da implantação no útero materno. Casa haja anomalias, o embrião pode ser descartado, se for essa a vontade dos pais.

A Conferência Episcopal Alemã – num comunicado publicado em seu site – critica a decisão do tribunal por ter afirmado que "um ginecologista que use o DPI para detectar a existência de possíveis anomalias genéticas, não pode ser acusado de violar a lei de proteção ao embrião".

Os bispos dizem que "a matança dos embriões que, após confirmação da existência de anomalia genética já não são inseridos no útero materno, não pode ser aceita, pois é contrária à nossa ideia de ser humano".

O Diagnóstico Pré-Implantacional foi o tema central da agenda do 20º Encontro da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia, que reuniu, este mês em Roma, médicos, enfermeiros, embriologistas, geneticistas, grupos de defesa dos pacientes e os próprios pacientes que se submetem ao exame. (AF)

Fonte: www.radiovaticana.com


terça-feira, 6 de julho de 2010

Felicidade como Bem Supremo - III Parte


A FELICIDADE COMO BEM SUPREMO
Por Dom Gabriel Alves do Amaral, OSB

Depois de termos definido o que é virtude e de que se trata as virtudes éticas e dianoéticas, agora vamos abordar a felicidade como Bem Supremo na cidade ou seja, na poliz. Dentro deste panorama a ser tratado iremos escrever sobre a felicidade individual e coletiva, precisando principalmente fazer uma relação entre a ética e a política. Enquanto a ética trata da felicidade individual do homem, a política se preocupa com a felicidade coletiva em comum. Lembrando que para Aristóteles o individual não significa o individuo isolado, sozinho como um monge eremita, o individual significa dizer que a pessoa está em constante relação com sua família (pais, filhos e amigos). Para isso abordaremos também a questão e a importância da amizade e da justiça na cidade, lembrando principalmente que essas são virtudes indispensáveis para o homem se tornar feliz.
Noutro momento falaremos do Livro X da ética que fala sobre o prazer com relação a felicidade. Neste fizemos questão de elucidar algumas passagens do livro da Arte Retórica de Aristóteles. Veremos que Aristóteles não põe o prazer dissociado da vida feliz, ou seja, é necessário o prazer, pois o homem não é só razão, mas também instinto. E ainda, falaremos das coisas agradáveis e não agradáveis que nos causam prazer ou sofrimento.


3.1 A Felicidade individual e coletiva


Aristóteles, diferentemente dos modernos, não entende a política1 como uma instancia separada da ética, pois o sentido final da ciência política se concretiza no plano da ética. A felicidade individual do homem inclui necessariamente seus pais, esposos, filhos, amigos e concidadãos, pois acertadamente foi dito por Aristóteles que o homem é por natureza um ser social e cívico. Sendo assim a vida do individuo aparece de tal modo engajada com a vida comunitária que manifesta a relação evidente entre a ética e a política. Esta relação se manifesta de maneira bem clara quando descobrimos a própria intenção ética da ciência política. “[...] o principal empenho desta ciência é infundir nos cidadãos, por exemplo, torná-los bons e capazes de praticar boas ações” (E.N. I, 9, 1099 b).
Aqui se pode ver que ética e política para Aristóteles não caminham separadas, pelo contrário,se complementam em virtude da felicidade do individuo em relação a seus semelhantes. É impossível para Aristóteles o homem viver sozinho e não depender em nada de seu semelhante, ou seja, do outro. Neste sentido o que Aristóteles quer afirmar é que o homem por natureza é um animal cívico, ou seja, ele não consegue viver sozinho, não é auto-suficiente como a cidade e a felicidade é. Ele precisa de amigos, necessita do Estado, precisa da sociedade para formar sua personalidade e torná-lo feliz. Aristóteles acredita que o homem que vive sozinho, isolado, sem comunidade, sem amigos e por si mesmo sem depender dos outros é um deus ou um animal bruto como nos apresenta Aristóteles nesta passagem:

É claro, portanto, que a cidade tem precedência por natureza sobre o individuo. De fato, se cada individuo isolado não é auto-suficiente, conseqüentemente em relação a cidade ele é como as outras partes em relação a seu todo, e o homem incapaz de integrar-se numa comunidade ou que seja auto-suficiente a ponto de não ter necessidade de fazê-lo, não é parte de uma cidade, por ser um animal selvagem ou um deus. (POL. I, 1, 1253 a)

Na polis, para compreendermos melhor existe uma certa progressão. Vejamos como se dá esta progressão: primeiro a família2 é o fundamento dela, ou seja, da cidade e esta é compreendida como a primeira comunidade construída pela natureza para satisfazer as necessidades cotidianas. Depois que se constrói a família, surge a aldeia ou povoado que nada mais é que o desenvolvimento das famílias, ou seja, o aglomerado de várias famílias como o objetivo de satisfazer não as necessidades cotidianas com na família, mas prover uma certa utilidade comum. Depois desta e por fim vem a Polis ou a cidade que também nada mais é que a reunião de várias aldeias e que tem como característica a auto-suficiência pois se basta a si mesma, e neste sentido é uma autarquéia ou seja, é independente. Na ordem ontológica, porém, a cidade existe até mesmo antes da família e da aldeia. E como se explica isso? Vejamos, para Aristóteles o todo existe necessariamente antes da parte, isso dá no mesmo em dizer que a cidade existe antes do individuo, família, aldeia e etc. Sendo que estes são partes indispensáveis para formar uma cidade, “pois o todo deve necessariamente ter precedência sobre as partes. As sociedades domésticas e os indivíduos não são senão as partes integrantes da cidade, todas subordinadas ao corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e suas funções. [...]” (POL, I, 1253 a).
Para Aristóteles como já deixamos bem claro, o homem é “muito mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social” (POL, I, 1253 a). A natureza como inteligente não faz coisas inúteis, para o homem foi atribuída a razão para fazer uso dela uma virtude perfeita que lhe garanta a felicidade constante. O homem por ser um ser social, embora ele seja um mandante ou um governado, escravo ou senhor ele necessita da justiça e do amor de amizade. São esses elementos ou essas virtudes que aperfeiçoam o homem na Pólis. Não podemos também deixar de lembrar que as outras virtudes como: a coragem, a moderação, a liberalidade, a magnificência, a magnanimidade e várias outras contribuem também para o aperfeiçoamento do homem tanto em comum como individualmente.
A justiça é a virtude mais perfeita é a mãe de todas as virtudes, pois ela define o homem como bom e, além disso, é uma virtude moral que une a ética e a política para o aperfeiçoamento do individuo.

Em todas as ciências e artes o fim é um bem, é o maior dos bens e bem no mais alto grau se acha principalmente na ciência toda poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum [...]” (POL,VII, 1283 a).


Assim sendo, a justiça para Aristóteles é definida também tomando como referência a existência da lei que enquanto tal, serve de modelo para orientar as ações humanas. A postura certa será aquela conforme os ditames da lei, visto ser ela a defensora da moral, pelo fato de ter em vista, como diz Aristóteles, o interesse da comunidade. As ações justas são igualmente aquelas ações que contribuem para a felicidade do homem.
Para Aristóteles a justiça é também definida como a excelência moral perfeita, tem por pressuposto exatamente a correspondência entre esta e as exigências de perfeição feitas ao homem por meio das leis. Ela é desse modo perfeita por se fazer necessária tanto na vida pessoal do individuo como também na relação como os outros “[...] considera-se que a justiça é tão somente ela entre todas as formas de excelência moral, é o bem dos outros [...] (E.N. V, 1, 1130 a)
Aristóteles especifica melhor a natureza do homem justo e injusto em relação ao Estado. Pessoas que agem contra a lei buscando desigualdade com relação aos outros são injustas, e aqueles que agem conforme a lei sempre buscando igualdade e legalidade com os outros são justos. Contudo, como bem definirá em sua ética, Aristóteles considera a justiça no sentido amplo a mais perfeita dentre todas as virtudes morais:

Estão a justiça neste sentido é a excelência moral perfeita, embora não o seja de modo irrestrito, mas em relação ao próximo. Portanto a justiça é freqüentemente considerada a mais elevada forma de excelência moral, e “nem a estrela vespertina nem a matutina é tão maravilhosa” e também se diz proverbialmente que: “na justiça se resume toda a excelência”. Com efeito, a justiça é a forma perfeita de excelência moral porque ela é a prática efetiva de excelência moral perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de justiça podem praticá-la não somente em relação a si mesmas como também em relação ao próximo (E.N. V, 1, 1130 a).

Além disso, é necessário diferenciar ao lado desta justiça legal outras formas de justiça particulares:3 a justiça distributiva, que consiste na distribuição dos bens ou de todas outras vantagens que podem ser comunicadas ao membros da polis, e a justiça relativa aos contratos. Para Aristóteles a justiça distributiva enxerga a proporcionalidade das coisas, a igualdade segundo a “proporção aritmética”, pois ela não considera mais a dignidade especial das pessoas que se responsabilizam, mas o valor objetivo das realidades trocadas.
Para Aristóteles a justiça é mais perfeita de todas as outras como já falamos, contudo ela é necessita de outra virtude sem a qual não poderia ser justiça, essa virtude é indispensável à justiça é a amizade.
Aristóteles dedica ainda o livro VIII e IX da Ética à temática da amizade chamando a atenção sobre a importância tanto da felicidade individual do homem como da felicidade coletiva na Pólis. Ela é uma virtude necessária à vida, pois ninguém consegue viver sem amigos e nem deseja uma solidão só com o que tem. A Justiça, no entanto não é necessária a amizade, mas amizade é necessária à justiça, pois: “Quando as pessoas são amigas não tem necessidade de justiça, enquanto mesmo quando são justas elas necessitam da amizade, considera-se que mais autêntica forma de justiça é uma disposição amistosa” (E.N. VIII, 1, 1155 a).
Uma observação importante que faz Aristóteles é se a amizade é de uma única espécie ou mais de uma em relação as pessoas más e pessoas estranhas. Para isso, Aristóteles sustenta a tese de que não existe apenas uma, mas várias. Ele recorre ao amor, elemento importante para esclarecer a diversidade de amizade.
Desta forma, pode-se amar ou escolher determinado bem por aquilo que ele tem de valor próprio. Podemos amar aquilo que nos dar prazer ou que apresenta alguma coisa de útil. Portanto, somente amar ao bem por si mesmo, possibilita a amizade perfeita4.
Para Aristóteles há três espécies de amizade, sendo estas correspondentes às expectativas de cada pessoa e de acordo com o que cada uma delas procura ou admira, pois “o que é bom apenas para determinada pessoa parece ser amado apenas por aquela pessoa”. (E.N. VIII, 1, 1155 b). Neste sentido existem então: a amizade por interesse, a amizade por prazer e a amizade verdadeira.
A amizade por interesse peca pela indigência do seu próprio fundamento e acontece quando a afeição é criada por base tão somente naquilo que um pode favorecer ao outro. Esse tipo de amizade só aproveita aquilo que o outro tem ou pode dar. A amizade por prazer é encontrada especialmente no meio dos jovens, “pois vivem sob influencias das emoções e perseguem acima de tudo o que lhes é agradável e o que está presente [...]” (E.N. VIII, 3, 1156 b). Contudo, Aristóteles reconhece que a amizade por interesse ou por prazer pode ser encontrada entre pessoas más, tendo em vista aquilo que pode aproveitar do outro e não uma amizade perfeita5 ou verdadeira.
Por fim, na amizade verdadeira os amigos congratulam juntos o prazer para com o outro, mas não se trata de prazer enquanto algo de interesse e sim de prazer que emana da própria pessoa, naturalmente trazendo assim uma agradabilidade. Uma amizade verdadeira é nobre e os amigos que agem assim são amigos que estão sempre preocupados com o bem do outro e com seu crescimento moral, “pois não errar e não deixar que seus amigos errem é uma característica das pessoas boas” (E.N. VIII, 8, 1159 b).
Para findar este tratado sobre a amizade6, Aristóteles reflete acerca da amizade perguntando quando é que os amigos são mais necessários. Para Aristóteles a amizade é mais necessária e eficaz nas adversidades que na prosperidade, pois é nos momentos de sofrimento e mais difíceis que o necessita de apoio: “A simples presença de um amigo nos é agradável, especialmente se estamos na adversidade, e se torna uma salvaguarda contra as dificuldades” (E.N. IX, 11, 1171 a). Por isso ela é tão necessária não só aos governantes, mas também aos governados.
Se a vida na Polis ou no Estado tem que estar sustentada sobre valores comuns, é possível pensar que estes valores nos quais todos os homens têm interesse, na vida feliz sejam a justiça e a amizade não encontramos sujeito algum que deseje a infelicidade para si ou para seus amigos. Ao contrário, todo homem ao agir individualmente ou coletivamente pensa estar agindo para construir uma vida feliz.
Tanto coletivamente como individualmente o desejo é o desejo de felicidade. A alegria como conseqüência da vida feliz é o vinculo dinâmico da efetivação desse desejo. Então, a alegria de estar entre amigos, de buscar no ritmo do tempo a apropriação do saber constitui-se na condição necessária para que o sujeito-cidadão tenha uma vida sábia e feliz.

3.2 Prazer e Felicidade

Aristóteles ainda dedica o Livro X de sua ética e boa parte do Livro da Retórica ao tema do prazer com relação à felicidade. Aristóteles define prazer como "um certo movimento da alma e um regresso total e sensível ao estado natural" (RET, 1370 a). A dor é o seu contrário. O que produz a disposição para o prazer é agradável e o que a destrói é doloroso. É agradável e, portanto, dá prazer, o que tende para o estado natural e os hábitos também são igualmente agradáveis porque o que é habitual assemelha-se ao que é natural. É, também, agradável o que não resulta da coação. Por outro lado, é doloroso o que obriga ao esforço não querido ou não habitual e, de uma maneira geral, tudo o que traz preocupações ou envolve a necessidade e a coação. É essa a razão pela qual o descanso, os jogos e o sono são agradáveis, pois ninguém descansa, joga ou dorme por obrigação.
Claro que o agradável é, também, tudo aquilo que produz em nós o desejo, pois o desejo é apetite do agradável. Os desejos podem dividir-se em racionais e irracionais. Os desejos irracionais são "os que não procedem de uma ato prévio da compreensão; e são desse tipo todos os que se dizem ser naturais, como os que procedem do corpo; por exemplo, o desejo de alimento, a sede, a fome, o desejo relativo a cada espécie de alimento, os desejos ligados ao gosto e aos prazeres sexuais e, em geral, os desejos relativos ao tacto, ao olfato, ao ouvido e à vista" (RET, 1370 b). Ao invés, os desejos racionais são apenas os que procedem da persuasão.
Entre as coisas mais agradáveis, Aristóteles coloca a honra, a boa reputação e, acima de tudo, os amigos. Os gregos usavam a palavra ηεδονε, para dizer prazer e ηεδεστηαι, para tirar prazer. Aristóteles opta por uma posição intermédia acerca do bem, não o identificando com o prazer, mas também não negando que o prazer pode ser uma espécie de bem. E o que é o bem, para Aristóteles?

Entendemos por bem o que é digno de ser escolhido em si e por si, e aquilo em função do qual escolhemos outra coisa; também aquilo a que todos aspiram, tanto os que são dotados de percepção e razão, como os que puderem alcançar a razão; tudo o que a razão pode conceder a um indivíduo, e tudo o que a razão concede a cada indivíduo em relação a cada coisa, isso é bom para cada um; e tudo o que, pela sua presença, outorga bem-estar e auto-suficiência; e a própria auto-suficiência; e o que produz ou conserva esses bens; e aquilo que de tais bens resultam; e o que impede os seus contrários e os destrói (RET, 1362 a).

O prazer é, também, um bem, se o não fosse, como é que todos os seres vivos, e não apenas os seres humanos, o desejam? As coisas agradáveis e belas são necessariamente boas, pois as agradáveis produzem prazer, e as belas são agradáveis.
Por que razão o prazer e o sofrimento são tão importantes na ética aristotélica? É que amar e odiar as coisas certas constitui o aspecto mais importante da virtude do caráter: "[...] estas coisas nos acompanham durante todo o curso de nossa vida e têm um grande peso e força em relação à excelência moral e à vida feliz, já que as pessoas desejam o que é agradável e evitam o que traz sofrimento” (E.N. X, 1172 a). A doutrina de Aristóteles afasta-se da dos estóicos e da dos epicuristas, pelo fato de a primeira identificar o prazer com o que é vil e os segundos por confundirem incondicionalmente o prazer com o bem. Ora, a verdade é que não podemos nem exagerar a bondade nem a maldade do prazer. Se é certo que a dor deve ser evitada e aquilo que dá prazer deve ser procurado, importa, num caso e noutro, combinar as nossas escolhas com a inteligência, a compreensão e a sabedoria.
Aristóteles identifica diferentes espécies de prazer. Quanto mais prazer temos com uma atividade, mais aumenta a nossa vontade de continuar a atividade. Cada prazer aumenta a atividade que lhe está associada. E pode, inclusivamente, torná-la mais longa, exata e melhor. É o caso do músico que tira prazer de fazer música e que, quanto mais prazer tem na atividade, melhor músico se torna. O mesmo poderíamos dizer do romancista, do poeta, do filósofo ou do matemático. Ao contrário, a dor tende a reduzir ou a extinguir a atividade. É o caso do estudante que não tira prazer com o estudo e que acaba por deixar de estudar como forma de evitar a dor que essa atividade lhe traz.
Na verdade, há coisas que dão prazer a certas pessoas, enquanto provocam dores noutras. Algumas pessoas consideram-nas agradáveis e estimáveis, enquanto outras pessoas as consideram lastimáveis. Se assim é, como é possível determinar as coisas verdadeiramente agradáveis e boas? Para Aristóteles, o que é realmente agradável e bom é o que é assim para as pessoas virtuosas. E se o que a pessoa virtuosa considera lamentável e indigno aparece como agradável para alguém, isso só acontece porque as pessoas sofrem muitas formas de corrupção que as impedem de deliberar bem.
Que tipo de coisa é o prazer? Será uma atividade ou um processo? Se for considerada uma atividade, é o prazer uma atividade completa ou incompleta? Aristóteles procede à discussão destes assuntos, ao longo da primeira parte do livro X da Ética a Nicômaco. Refuta a idéia de que o prazer é um processo ou movimento porque o prazer, ao contrário do processo ou movimento, é uma coisa sempre completa. O processo, por definição, necessita de tempo, enquanto o prazer é instantâneo, ou se tem logo ou não se tem. Quanto mais completa for a atividade mais prazer ela dá. O prazer é uma atividade, não é um movimento, nem um processo. Mas o prazer não é o bem em si mesmo. Só é o bem quando é conseqüente com uma atividade boa. O prazer é muito importante na educação ética porque ele pode enganar-nos acerca do bem e destruir a nossa concepção do bem. Mesmo quando possuímos uma concepção correta do bem, o apetite pelos prazeres pode conduzir-nos à incontinência e é, por isso, que a educação ética requer a competência para deliberar e decidir sobre os prazeres e as dores corretas.
Aristóteles não identifica a felicidade com o prazer, mas sim com a virtude e com a vida conseguida e realizada, mas não deixa de acentuar que uma vida realizada não dispensa a fruição moderada dos prazeres da alma e dos prazeres do corpo, desde que no respeito pela justa medida, nas alturas apropriadas e das formas corretas.
Felicidade para muitos é defendida e até mesmo confundida como sinônimo de prazer, momentos de emoção passageira e estado de euforia. Para Aristóteles a felicidade nada mais é que um estado de realização pessoal excelente, pois isso não quer dizer que o prazer seja negado. Outros associam a felicidade até mesmo com a mais vil e bruto ato de violência. Se entendermos que a felicidade é um estado de satisfação própria, muitos que praticam a violência se satisfaz e sente feliz ao praticar determinados atos de brutalidade.
A satisfação momentânea na qual o homem usufrui do prazer não passa de um ilusório estado de felicidade, porém estado ilusório é o prazer que faz parte da felicidade, pois o homem não é totalmente razão, é também instinto, onde ele deve deixar seus sentidos florescer para que ele se sinta realmente humano:

Depois destes assuntos parece que devemos discutir o prazer. De fato pensa-se que ele tem ligações muito intimas com nossa natureza humana [...] Pensa-se também que a fruição das coisas que devemos fruir e o desprezo pelas coisas que devemos desprezar tem maior importância na formação do caráter conforme a excelência moral; estas coisas nos acompanham durante todo o curso de nossa vida e tem um grande peso e força em relação à excelência moral e à vida feliz, já que as pessoas desejam o que é agradável e evitar o que traz sofrimento. (E.N. X, 1172 b).

Vendo por estas celebres linhas de Aristóteles, o prazer não se opõe à felicidade, pelo contrário é até mesmo uma espécie de complemento, pois como foi esclarecido anteriormente, o homem não é só razão é também sentido, é alma que sente formando um ser racional e sentimental.
Hoje num mundo muito capitalista e sufocado pelo consumismo há pessoas que acham que a felicidade é possuir aquilo que lhe falta materialmente, acham também que a felicidade é sucesso, quinze minutos de fama, é riqueza e poder. Embora não se possa confundir e identificar a felicidade com a posse de riquezas materiais, Aristóteles diz que a posse da mesma é necessária é eficaz para a sobrevivência humana e convivência com os outros, pois tudo aquilo que temos empenho em procurar e encontrar, por mais insignificante que seja, há de ser sempre uma coisa que nos agrada.


















Virtude em Aristóteles - II Parte


AS VIRTUDES COMO CONDIÇÕES
PARA A FELICIDADE

Por Dom Gabriel Alves do Amaral, OSB


Neste capitulo pretendemos abordar a questão das virtudes como condições para a felicidade. Veremos a seguir a definição de virtude1 e para isso se faz necessário analisar três pontos importantes. No primeiro ponto vamos fazer uma pequena diferenciação do que são virtudes éticas (morais) e virtudes dianoéticas (conhecimento)2. O segundo ponto falará de como as virtudes intelectuais podem ser adquiridas por nós e de que maneiras as adquirimos. No terceiro e último abordaremos a distinção da ação moralmente boa da ação má pela conformidade da “reta razão”. Abrimos também um parêntese para falarmos sobre as ações voluntárias e involuntárias. Uma ação é involuntária quando o agente que está praticando a ação não participa dela conscientemente e está sob compulsão e voluntária quando acontece o contrário, o agente sabe o que está fazendo, ou seja, age conscientemente.
Entraremos na questão das virtudes éticas ou morais, falando principalmente de sua natureza não-racional (α-λογον), e sua condição para o viver feliz. Logo a seguir também falaremos das virtudes dianóeticas levando em conta principalmente sua natureza racional (λογον) sabedoria filosófica (σοπηια =Sophia) e sabedoria prática (πηρονεσις =Phrónesis) como condição de felicidade da parte intelectiva do homem.

2.1 Definição de virtude

Em Aristóteles existe um elemento indispensável para o homem alcançar a felicidade, esse elemento indispensável é a virtude. Afirmando que a felicidade é atividade da alma segundo a virtude perfeita, Aristóteles é levado a estudar profundamente o que é virtude. Este estudo se estende do fim do primeiro livro da Ética a Nicômaco até o oitavo livro, onde ele aborda a questão do amor de amizade. As virtudes em geral se fundam sobre certas disposições naturais. É virtude do olho ver, pois ver é função fundamental do próprio olho. O corpo num todo tem sua função que exercitada consoante a natureza, constitui a sua virtude. Para Aristóteles é necessário o exercício continuo das virtudes para que a virtude se torne uma segunda natureza, não basta uma ação virtuosa para dizer que o homem é virtuoso, é preciso que tenham o hábito das virtudes. Para analisar a definição de virtude em Aristóteles é necessário analisar três pontos:
Primeiro: As virtudes éticas e as virtudes dianoéticas se diferenciam pelos seus sujeitos respectivos: as várias potências da alma humana, umas possuindo a razão (alma intelectiva), outras limitadas à sua participação (alma sensitiva). As virtudes dianoéticas aperfeiçoam as virtudes éticas, pois estas são parcialmente racionais e subordinadas a elas.
Segundo: Este segundo ponto trata da diferença de nossas potencias, nossas virtudes não são inatas em nós, porém é necessário adquiri-las. As virtudes éticas são adquiridas através do exercício contínuo de ações moralmente boas. Assim como Aristóteles chama a atenção para o fato de que o ensino pode gerar na inteligência do aluno virtudes intelectuais (dianoéticas), da mesma maneira afirma que o exercício repetitivo de ações moralmente boas possui verdadeira causalidade com relação às virtudes éticas. Embora adquiridas, estas virtudes determinam e aperfeiçoam na realidade o que a natureza não possuía senão imperfeitamente no inicio.

É evidente, portanto, que nenhuma das várias formas de excelência3 moral se constitui em nós por natureza, pois nada que existe por natureza pode ser alterado pelo hábito. Por exemplo, a pedra que por natureza se move para baixo, não pode ser habituada a mover-se para cima; ainda que alguém tente habituá-la jogando-a dez mil vezes para cima (...) Portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza a excelência moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-la, e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito (E.N. II, 1, 1103 a).

Terceiro: ações moralmente boas, que estão na origem da aquisição da virtude, distinguem-se de ações más, pela sua conformidade à “reta razão”. Com efeito, manifesta-se como que mensurada pela “reta-razão” ορτο-λογος. Ora, se ela é ação medida, não pode ser perfeita senão ao realizar-se num justo meio. O excesso ou a falta faz lhe perder a nobreza, sua qualidade própria de bondade moral. Ao comentar o que é virtude André Comte-Sponville no seu pequeno tratado das grandes virtudes, parece se assemelhar com a concepção aristotélica.

O que é uma virtude? É uma força que age, ou que pode agir. Assim a virtude de uma planta ou de um remédio, que é trator, de uma faca, que é cortar, ou de um homem, que é querer e agir humanamente. Esses exemplos, que vêm dos gregos, dizem suficiente o essencial; virtude é poder, mas poder especifico. A virtude do heléboro não é a da cicuta, a virtude da faca não é a da enxada a virtude do homem não é a do tigre ou da cobra. A virtude de um ser é o que constitui seu valor em outras palavras, sua excelência própria: a boa faca é a que corta bem, o bom remédio é o que cura bem, o bom veneno é o que mata bem... (COMTE-SPONVILLE, 2002, pp. 7-8).

Graças a esta análise por estes três pontos podemos dizer que a virtude ou a “excelência moral, então, é uma disposição4 da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio (o meio termo relativo a nós) determinado pela razão (a razão graças à qual um homem dotado de discernimento o determinaria)” (E.N. II, 6, 1106 b).
A virtude relaciona-se com paixões e ações, porém, um sentimento ou uma ação pode ser voluntária ou involuntária. Ações ou paixões voluntárias dispensa-se louvor e censura, enquanto as involuntárias merecem perdão, por isso é necessário distinguir entre o voluntário e involuntário. São involuntárias aquelas ações que ocorrem sob coação e ignorância. É compulsório ou forçado aquilo em que o primeiro motor está fora de nós e para tal em nada contribui a pessoa que age ou sente a paixão. Neste sentido, tais atos assemelham-se aos voluntários pelo fato de serem escolhidos, e o principio motor estar no agente, por estar na pessoa fazer ou não fazer. Ações de tal espécie são voluntárias, mas, em abstrato talvez sejam involuntárias, já que ninguém as escolheria por si mesma. As ações são forçadas quando as causas encontram-se externas ao agente e ele em nada contribuiu. O voluntário parece ser aquilo cujo motor se encontra no próprio agente que tenha conhecimento das circunstancias particulares do ato, como é o caso da virtude que se torna um hábito por ações voluntariamente exercitadas.
Agora que sabemos que a virtude é o habito que torna o homem bom e lhe permite cumprir bem a sua tarefa; e que a virtude é racional adequada e constante, é necessário especificar a natureza das virtudes intelectuais e as diversas relações que as unem, e também descrever e analisar na visão aristotélica as virtudes éticas.
2.2 Virtudes éticas ou morais

Antes de especificarmos a natureza das virtudes dianoéticas e sua condição para a felicidade, vamos primeiro analisar a natureza das virtudes éticas e sua condição. Sabendo que a virtude é uma condição sine qua non da ética aristotélica e sem ela o individuo jamais alcançará a felicidade perfeita, Aristóteles analisa sua importância na alma racional e irracional.
Como já falamos no capitulo anterior, a alma em Aristóteles é composta de três partes: na parte racional está a alma intelectiva e na parte irracional está a alma vegetativa e a alma sensitiva. Esta por sua vez é parcialmente racional, pois ela obedece e se deixa ser comandada pela razão.
As virtudes éticas, como sabemos tem sua fonte na natureza irracional (α-λογον), mas são parcialmente racionais pelo fato delas se submeterem a razão e com isso são virtudes propriamente humanas que estão relacionadas principalmente com a questão moral dominando os impulsos irracionais e as ações que não estão conforme a reta-razão (ορτο-λογος)
As virtudes éticas ou morais possuem como função especifica tornar perfeita a parte sem razão da alma e por isso são adquiridas através do exercício contínuo e do hábito:

[...] Na prática de atos em que temos de engajarmos dentro de nossas relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos na prática de atos ou em situações perigosas, e adquirindo o hábito de sentir receio ou confiança, tornamo-nos corajosos ou covardes. O mesmo se aplica aos desejos e a ira; algumas pessoas se tornam moderadas e amáveis enquanto outras se tornam concupiscentes ou irascíveis, por se comportarem de maneira diferentes nas mesmas circunstancias. Em uma palavra, nossas disposições morais resultam das atividades correspondente às mesmas. É por isto que devemos desenvolver nossas atividades de uma maneira pré-determinada, pois nossas disposições morais correspondem as diferenças entre nossas atividades. Não será pequena a diferença, então, se formarmos os hábitos de uma maneira ou de outra desde a nossa infância; ao contrário ela será muito grande, ou melhor, ela será decisiva ( E.N. II, 1, 1103 b).


As virtudes éticas estão relacionadas aos sentimentos, impulsos e paixões de nossa alma e que por si mesmos não são bons nem maus, todavia, podem tornar-se virtuosos ou viciosos conforme sua posição na mediania e na extremidade. No exercício da virtude deve existir igualmente uma proporção certa para que assim o individuo possa agir corretamente ou virtuosamente para alcançar a felicidade perfeita. Contudo, a vida errada ou viciosa tem igualmente como sua conseqüência o enfraquecimento da vontade e da liberdade em querer o bem, enquanto a própria razão perde a lucidez e o discernimento.
Aristóteles observa que as virtudes éticas estão profundamente ligadas ao prazer e ao sofrimento e que as más ações praticadas pelo homem residem no fato deste procurar o fácil e imediato, distanciando-se desta forma, das ações nobilante quando a prática destas requer o sofrimento. Superar esta situação, de acordo com ele, é algo que deve acontecer desde a infância. Saber gostar das coisas certas, das pessoas certas e aplicar seus bens nas coisas certas e fontes certas conforme a reta razão, isso é o programa da verdadeira educação aristotélica:

Além disto, é mais difícil lutar contra o prazer do que contra a própria cólera, para usar a frase de Heráclito, mas tanto a arte quanto a excelência moral estão permanentemente preocupados com o que é difícil, pois até as coisas boas são melhores quando são difíceis (E.N. II, 3, 1105 a).

As virtudes éticas se constituem por assim dizer, nos requisitos permanentes e necessários para que o homem possa viver equilibradamente consigo mesmo e com os outros. Devem-se sempre procurar o meio-termo, pois o primeiro principio é agir conforme o justo meio.
Aristóteles nos oferece um catálogo com a exposição dessas virtudes: a coragem, a moderação, a liberalidade, a magnificência, a magnanimidade, a amabilidade, a gentileza, a veracidade, a justiça e a amizade. Contudo, pretendemos abordar cinco dentre essas dez: a coragem, a moderação, a liberalidade, a justiça e a amizade. Para o estagirita, vale ressaltar que todas são condições para o homem alcançar o Bem Supremo.
Cada uma delas é o meio-termo entre a falta e o excesso, por exemplo: a coragem é o meio-termo entre a covardia que é falta e a temeridade que o exagero ou excesso de coragem. A moderação é o meio-termo relativo aos prazeres do corpo entre a insensibilidade que é a falta de prazer e a concupiscência que é o exagero de prazer. A liberalidade é o meio-termo relativo aos ganhos e bens entre a avareza que é a falta ou apego dos bens e a prodigalidade que o excesso de esbanjar com pessoas erradas e com coisas erradas no momento errado. A justiça já não parece ser um meio-termo propriamente dito, mas uma proporção, sua falta e excesso são vícios por completo, é a injustiça, pois ninguém faz injustiça de mais nem de menos, se faz, faz injustiça ou justiça. A amizade, contudo, também não parece ser um meio-termo como a justiça, mas Aristóteles faz diversas diferenças dentro da amizade, sendo como verdadeira a amizade que reúne todos os indivíduos que vê no outro um bem e lhe deseja ajudar seja em que for suas circunstancias.
Agora especificaremos duas virtudes básicas para Aristóteles, a coragem e a moderação como meio termo em relação aos dois mais fortes impulsos do homem, a recusa da dor e a busca do prazer.
Aristóteles começa a definir a andreia = coragem: “é um meio-termo entre o medo e a temeridade”. Neste sentido o meio termo é entendido como algo que existe entre os extremos, ou seja, o excesso e a falta. “[...] por meio-termo no objeto entendo aquilo que é eqüidistante de ambos os extremos, e que é um só e o mesmo para todos os demasiado nem demasiadamente pouco – este não é um só e o mesmo para todos” (E.N, II, 6, 1106 b).
A coragem é situada como a primeira virtude do caráter, donde são definidos seus extremos, o medo e a temeridade. Existe uma certa preocupação por parte de Aristóteles em determinar precisamente em que consiste a coragem, estabelecendo desse modo aquilo que deve ser temido. É verdade que temos medo de alguns males como, por exemplo, a desonra, a pobreza, a doença e a morte. O medo5 do qual estamos falando é o medo prudente e equilibrado do homem diante de tais ações, porém o medo como a falta da coragem é a covardia. Ser covarde no pensamento de Aristóteles é fugir de suas responsabilidades, é quando exigem de nós atitudes nobres para passar para um estado de mediocridade, especificamente nos casos de guerra. Segundo Aristóteles o homem corajoso não foge com medo de morrer, pelo contrário, ele enfrenta o perigo por uma causa honrosa mesmo sabendo que vai morrer. Numa batalha em que o homem não consegue vencer usando de sua coragem, ele pode morrer nobremente, por exemplo, em virtude de um bem, que é a honra.
A coragem não se refere a males que não dependem de nós: como a pobreza, a desonra, a doença e a morte, mas aqueles que provém de nossa deficiência moral: “Talvez não devemos temer a pobreza e a doença, nem de um modo geral os males que não provêm da deficiência moral nem devidos ao próprio homem, e o homem destemido em relação a estes males não é realmente corajoso [...]” (E.N. III, 6, 1115 a). O homem realmente corajoso é aquele que se mede diante das adversidades da vida e sabe enfrentá-las de forma correta, tendo em vista a honra como o fim e o reconhecimento da sua virtude.
A temeridade por outro lado é o excesso da coragem. Esse extremo leva o homem cometer as mais vis das loucuras humanas. A temeridade, a falta de medo ou exagero da coragem é um extremo totalmente desequilibrado em que o homem não sabe usar ou calcular o perigo que pode estar lhe causando. Falando de perigo, se quer tem a noção de perigo, pois uma vez que é exageradamente corajoso, não teme os males e nem tem o conhecimento de parar na hora certa quando é preciso em virtude da defesa da vida. A coragem também pode funcionar como um mecanismo de defesa da vida, pois diante de uma certa ação perigosa o homem corajoso tem a coragem de parar. O corajoso neste sentido é também humilde pois se deixa guiar pela razão que é prudência e conhecimento de agir corajosamente quando e onde é preciso.
Dos diversos casos que se assemelham à coragem, Aristóteles destaca a coragem do soldado-cidadão devido esta estar mais próxima da coragem verdadeira. Os soldados-cidadãos enfrentam perigos maiores por causa de suas finalidades imposta pelas leis, como também, motivados pelas honrarias e reconhecimento social. Neste sentido, Aristóteles chama a atenção para o fato dessa espécie de coragem ser resultado da excelência moral, pois ela provêm do sentimento de vergonha e de um desejo relacionado à um fim nobre (a honra) e do desejo de evitar a desonra, que é por desta forma ignóbil. Aristóteles inclui ainda nesta categoria os soldados-cidadãos que agem sob imposição de um chefe ou de um comandante.
A coragem do soldado é nesta instancia uma coragem não muito positiva pelo fato dela ser usada mediante compulsões, pois todos que seguem neste caso usam a compulsão e não a coragem nobilante de um soldado verdadeiramente corajoso. Por isso assegura Aristóteles:

Todos que estão neste caso usam a compulsão, mas um homem deve ser corajoso não sob compulsão, e sim porque a coragem é nobilante. A experiência em relação a uma espécie de coragem, daí surgiu a noção de Sócrates, segundo a qual a coragem é conhecimento (E.N. III, 7, 1116 a).

O exercício da coragem não é acompanhado de prazer e sim de sofrimento e está exatamente aí o mérito das pessoas verdadeiramente corajosas, “pois difícil enfrentar e que é penoso do que abster-se de coisas agradáveis” (E.N. III, 7, 1116 b). Para Aristóteles a prova verdadeira de coragem reside em suportar com altivez as situações que provocam sofrimento.
Aristóteles define a virtude da moderação como forma de excelência moral da parte irracional da alma que diz respeita ao prazer. Em seguida ele estabelece uma distinção entre os prazeres do corpo originados da nossa natureza sensível e os prazeres da alma, situando nesta última categoria o amor ao conhecimento como às honrarias ou reconhecimento social. Para Aristóteles este tipo de prazer, não é vivenciado pelo homem na sua natureza corporal, mas sim em sua alma. Estes prazeres são verdadeiros, legítimos e dignos do homem livre. Por isso não lhes são atribuídos a moderação ou a concupiscência, o mesmo se passando com a grande maioria daqueles que vivenciam os prazeres corriqueiros de ouvir contos históricos. Segundo Aristóteles, tais pessoas não são concupiscentes e sim tagarelas.
A virtude da moderação é o justo meio relativo aos prazeres entre a concupiscência e a insensibilidade. Sendo a primeira o excesso e a segunda a falta. Aristóteles escreve que os prazeres aos quais se aplica a moderação não são quaisquer prazeres, mas os do corpo, entre os quais é preciso especificar os do tato e do paladar:

A moderação e a concupiscência, contudo, relacionam-se com a espécie de prazeres que os outros animais também sentem e por isso parecem servis e bestiais; tais prazeres são os do tato e do paladar. Mas do paladar propriamente dito eles parecem depender pouco ou nada. Pois a função do paladar é distinguir os sabores, como fazem os provadores de vinho e as pessoas que temperam as iguarias; mas estas quase não sentem prazer em fazer tais distinções (pelo menos os concupiscentes não o sentem) e sim no gozo efetivo, que em todos os casos um através do tato, tanto em relação aos alimentos quanto à bebida e às relações sexuais. É por isto que um certo glutão fazia súplica para que sua garganta se tornasse mais longa que o pescoço da garça, querendo dizer que era do o contacto que ele sentia prazer (E.N, III, 10, 1118 a).


Para Aristóteles são pouquíssimas pessoas que são insensíveis aos prazeres carnais6 referente aos que os animais sentem. Essa insensibilidade, escreve o filosofo, não é humana e nem normal. Aristóteles categoriza as pessoas moderadas como pessoas equilibradas que agem com a reta razão para dominar seus apetites ou suas emoções, por isso “as pessoas moderadas ocupam uma posição intermediária em relação as estes objetos de desejo, pois nem elas se comprazem com as coisas com que mais se comprazem as pessoas concupiscentes [...]”. (E.N. III, 11, 1119 a). As pessoas que procuram os prazeres exageradamente acabam encontrando sofrimento e frustração pelo fato de nem sempre alcançarem o fim desejado. Ao contrário isto não acontece com as pessoas que são moderadas pois estas tem a capacidade de se manterem serenas e equilibradas. Neste sentido, tradutores e alguns autores preferem usar o termo “temperança”7 ao invés de “moderação”.
O que é próprio das pessoas moderadas é o fato delas serem possuidoras de uma hierarquia de valores diferentes. Os seus valores estão situados em outro nível de referencia, de modo que elas são indiferentes e dão pouca importância àquilo que deleita os concupiscentes. Mesmo quando se sentem bloqueados naquilo que lhes pode causar prazer, não se desequilibram, não ficam ansiosas ou jamais sofrerão de maneira irracional. Neste sentido, as pessoas moderadas se manifestam como equilibradas na vivencia de seu próprio prazer, desejando as coisas certas, no momento certo e com pessoas certas como descreve o próprio Aristóteles “realmente, as pessoas que ignoram estas ressalvas amam tais prazeres mais do que elas merecem, mas o homem moderado não é uma pessoa deste tipo e sim é a espécie de pessoas conforme à reta razão” (E.N. III, 11, 1119 a).
Tanto a virtude da coragem como da moderação, moderam o apetite sensível e enobrecem-no, permitindo-lhe exercer-se segundo as exigências da reta razão. Enquanto a coragem aperfeiçoa o irascível; a moderação aperfeiçoa o concupiscível. Todas as virtudes éticas ou morais como já deixamos bem claro necessita de outras virtudes que faz parte da racionalidade da alma. As virtudes dianoéticas são assim essas virtudes que compões e ajuda a imperfeição da alma. Quanto às virtudes da justiça e da amizade que são propriamente políticas falaremos no capítulo seguinte.

2.3 Virtudes Dianoéticas

Analisando bem a duplicidade da alma, Aristóteles divide por igual as virtudes em duas partes: As virtudes intelectuais e virtudes éticas ou morais. As virtudes intelectuais recebem o nome de dianoéticas, elas são o resultado do ensino e por isso necessitam do tempo e da experiência; já as virtudes morais são adquiridas mediante o resultado do hábito, elas não são inatas em nós, mas são adquiridas pelo exercício contínuo de nossas ações moralmente boas.
As virtudes dianoéticas são as que contribuem para o crescimento e o funcionamento das faculdades racionais. Neste sentido elas são duas: Sabedoria Filosófica ou Teórica (σοπηια) e Sabedoria prática (πηρονεσις). Contudo, existe uma parte da alma racional, que sabe e contempla os primeiros princípios e a substancia permanente e imutável de tudo que há. Esta parte racional dotada de conhecimento recebe o nome de faculdade cientifica. A outra parte se preocupa com aquilo que é passivo, transitório, contingente e mutável. Esta, porém, se destina aos entes e realidades da nossa vida prática e Aristóteles nomeia-a de faculdade calculativa. A parte cientifica da alma tem como sua virtude em si a sabedoria filosófica ou sapiência (Sophia); a parte calculativa tem por virtude outra sabedoria, que no entanto, não compete um saber cientifico, mas um saber prático ou uma sabedoria prudente (Phrònesis ou discernimento)
Nesse mesmo contexto é necessário sabermos o que vem a ser essa sabedoria filosófica e essa sabedoria prática. Comecemos, então, pela sabedoria filosófica (Sophia). O próprio Aristóteles nos diz “a sabedoria filosófica é uma combinação de conhecimento cientifico com a inteligência, que permite perceber e que há de mais sublime na natureza” (E.N. VI, 7, 1140 b). Para isso Aristóteles esclarece muito bem a diferença da sabedoria filosófica com a arte, e que esta não pode ser confundida com a sabedoria propriamente dita.

A palavra “sabedoria” é usada nas artes para assinalar os mestres mais perfeitos em suas respectivas artes – por exemplo, Fídias como escultor em geral e Policleto como escultor de figuras – e neste sentido nada mais queremos dizer com “sabedoria”, neste caso do que excelência artística; mais pensamos que algumas pessoas são sábias em geral, e não em alguma esfera particular [...] (E.N. VI, 7, 1141 a)

A sabedoria filosófica ou sapiência leva o homem a conhecer as realidades que estão por cima. É no exercício desta virtude que é formada a perfeição da atividade contemplativa, é por esta virtude também que o homem alcança a felicidade máxima. Neste sentido, o que torna a sabedoria filosófica superior as outras formas de modalidades de conhecimento, é ser destituída de finalidades práticas e igualmente a grandeza de seu objeto. Portanto, a sabedoria filosófica configura-se, como uma atividade plenamente livre e independente (αυταρ), fruto apenas do desejo natural do homem em querer conhecer. Ela se quer se preocupa com os meios necessários para fazer o homem feliz, pois “ela não indaga como as coisas podem existir” (E.N. VI, 7, 1143 b).
As pessoas sábias em geral são dotadas de sabedoria filosófica e essa é o modo mais perfeito de conhecimento correspondendo sempre o sujeito à capacidade de saber os primeiros princípios. Neste sentido, Aristóteles chama a atenção para o fato de não esquecermos que a sabedoria filosófica é composta de uma certa combinação.

Das considerações precedentes resulta então a evidência de que a sabedoria filosófica é uma combinação do conhecimento cientifico com a inteligência, que permite perceber o que há de mais sublime na natureza. Por isto dizemos que Anaxágoras, Tales e homens como eles tem sabedoria filosófica [...] (E.N. VI, 7, 1141 a).

Aristóteles estabeleceu uma certa supremacia da sabedoria filosófica em relação à ciência política, essa como é notado é voltada para as realidades práticas do mundo humano e por isso é função dela realizar a finalidade para a cidade gerando os fins das demais ciências. Contudo, aquilo que a ciência política tem de útil e necessário não consegue ainda ficar superior à sabedoria filosófica, pois a sabedoria filosófica tem seu âmbito na racionalidade, ela contempla para depois partir para o mundo prático, isto é, ela teoriza e depois se concretiza.
A ciência política como o discernimento gira em torno das realidades históricas, mutáveis e contingentes do mundo humano, enquanto a sabedoria filosófica, mostra sua superioridade por ser transcendente às coisas materiais, elevando assim o espírito humano para sua mais elevada atividade e suprema realização que é a vida contemplativa ou a felicidade perfeita. Esta felicidade suprema que o homem experimenta por meio da virtude intelectual lhe parece como única e incomparável, pois “a vida conforme qualquer espécie de excelência moral é feliz somente de um modo secundário, pois as atividades conforme a estas espécies são puramente humanas” (E.N. X, 8, 1117 a).
Agora como foi proposto vamos entender o que vem a ser a sabedoria prática, discernimento ou Phrònesis8. O discernimento ou sabedoria prática não é um conhecimento cientifico e nem uma arte. O próprio Aristóteles o define: “O discernimento deve ser então uma qualidade racional que leva à verdade no tocante às ações relacionadas com os bens humanos” (E.N. VI, 5, 1140 a). Neste mesma linha de pensamento, o discernimento tem como característica deliberar bem o que é conveniente para o homem.

Pensa-se que é característica de uma pessoa de discernimento ser capaz de deliberar bem acerca de que é bom e conveniente para si mesma, não em relação a um aspecto particular – por exemplo, quando se quer saber quais espécies de coisas que concorrem para a saúde e para o vigor físico – e, sim, acerca das espécies de coisas que nos levam a viver bem de um modo em geral. (E.N. VI, 5, 1140 a).


Aristóteles define também o discernimento como “este olho da alma” querendo dizer que o discernimento é uma virtude fundamental do homem sensato que sabe guiar a sua vida de forma correta e eficaz. Mas é necessário entendermos que não se pode confundir o homem dotado de discernimento com o homem sagaz ou astuto. Por esta virtude fazer parte da nossa alma racional ela não pode ser o mesmo que sagacidade ou perspicácia, uma espécie de “jogo de cintura” do qual certos indivíduos são por natureza dotados. No sentido mais concreto podemos dizer que o discernimento é uma espécie de guia que orienta o homem nos seus atos concretos no mundo, na medida em que é por meio do discernimento ou da sabedoria prática que podemos deliberar e escolher coerentemente.

É óbvio que, ainda que o discernimento não tivesse qualquer valor prático, teríamos necessidade dele porque ele é a forma de excelência moral da parte de nosso intelecto à qual ele convém; é óbvio também que a escolha não será acertada sem discernimento, da mesma forma que não o será sem a excelência moral, pois o discernimento determina o objetivo e a excelência moral nos faz praticar as ações que levam ao objeto determinado (E.N. VI, 13, 1144 b)

Aristóteles põe em destaque especial o discernimento porque ele está presente nas deliberações do saber prático e da inteligência, e age justamente no intuito de identificar a verdade em todas as atividades particulares humanas. Possuir discernimento em última análise, é ter maturidade intelectual, ou seja, ter a capacidade de agir acerca de si mesmo, com a responsabilidade de agir sempre em consonância com o justo meio termo, que é determinado pela reta razão. Contudo, apesar dele não ter uma certa primazia em relação à sabedoria filosófica chega a afirmar que com a sua posse a pessoa terá todos as formas de excelência moral.





















Felicidade em Aristóteles - I Parte

O BEM E A FELICIDADE

Por Dom Gabriel Alves do Amaral, OSB


O Bem e a Felicidade são conceitos fundamentais da ética aristotélica. Tanto o bem como a Felicidade tomam o mesmo sentido se não soubermos interpretar a diferença sutil destes conceitos na visão aristotélica. No entanto, nos sub-temas que se seguem achamos por necessário abordar claramente a diferença sutil de bem e de Felicidade. Para isso foi necessário recorrermos a concepção platônica de bem para melhor comparar com a de Aristóteles.

Finalizaremos nosso capitulo com o sub-tema que diz respeita a questão da atividade da alma que é a felicidade. Nele falaremos de forma resumida as três faculdades da alma, a alma intelectiva, que tem sua natureza racional e alma vegetativa e a alma sensitiva que tem sua natureza irracional.


1.1 O conceito de Bem


Ao introduzirmos nosso trabalho sobre o conceito de Bem, vamos nos inspirar nas palavras de Will Durant a respeito de Aristóteles no seu processo de investigação das questões éticas.


E no entanto, à medida que ele evoluía e que os moços se reuniam em grande número à sua volta para serem instruídos e formados, sua mente passava cada vez mais dos detalhes da ciência para os problemas maiores e mais vagos da conduta e do caráter. Passou a perceber mais claramente que, acima de todas as questões do mundo físico, pairava a questão das questões; qual a melhor vida? Qual o bem supremo da vida? O que é virtude? Como vamos encontrar felicidade e satisfação? (DURANT, 1996, p.90).



Com estas palavras podemos compreender com que Aristóteles1 estava preocupado. Para ele todo agir humano persegue um fim último das coisas e este por sua vez é entendido como o bem que todo homem busca. O bem é uma espécie de imã para o qual todas as coisas tendem. Em Aristóteles o bem pode ser entendido como o estágio final de uma coisa quando esta conseguiu atualizar o conjunto de suas potencialidades de acordo com sua natureza. Para Aristóteles todos os seres estão destinados a um certo fim que lhes é previamente indicado pela natureza, diante disso toda ética aristotélica tem um caráter teleológico, pois a busca da ética é a busca de um fim e diga-se de passagem a do próprio ser humano. Neste sentido, toda atividade possui seu fim, ou em si mesma, ou em outra coisa, isso implica a palavra grega (τελος = fim), ou seja, para onde todos os seres tendem. O fim ou finalidade poderia dar lugar a palavra plenitude ou plenificação, pois neste sentido concorda com a idéia aristotélica de que a causa final coincide de certa maneira com a “forma” (essência) para a qual se movimentam todos os seres.


A caracterização do télos como fim, finalidade ou mesmo completude, não só aqui para Aristóteles, mas para toda a especulação teleológica antiga. [...] No âmbito da ética, o sentido de télos como conceito ético, e não como um conceito meramente psicológico ou do mundo físico e do metafísico, denota para Aristóteles o trabalhoso esforço da ação humana como fim do agir humano [...] como fim de uma ação [...]. (SANGALLI, 1998, p.41).


No seu livro da Ética a Nicômaco, Aristóteles nos deixa bem claro em que consiste o bem: “toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito, visam a algum bem; por isto foi dito acertadamente que o bem é aquilo a que todas as coisas visam. (E.N. I, 1, 1094 a)


Assim é preciso esclarecer que o bem de que estamos trabalhando não é ainda sua posse, ou seja, a eudaimonia ou o Bem supremo, a Felicidade. Neste sentido Aristóteles classifica que o “bem da medicina é a saúde, da construção naval, é a nau, da estratégia, a vitória e da economia é a riqueza (E.N. I, 1, 1094 a)

Para entendermos o bem aristotélico é preciso antes de tudo entendermos o bem platônico. Aristóteles nega o bem platônico, na medida em que este é uma idéia transcendente perfeita que comporta todos os outros bens imperfeitos que numa linguagem platônica são entendidos por cópias do original. A diferença do bem em Platão em relação com o de Aristóteles é que aquele está no mundo inteligível, enquanto que para Aristóteles o bem está no mundo sensível, físico ou empírico.

Assim Aristóteles contraria Platão no tocante à existência de uma e única idéia do Bem; para o estagirita o Bem embora sendo um conceito idêntico se manifesta de várias formas. Esses bens devem ser entendidos como meio e não como fim ou sua causa final que é a eudaimonia ou a Felicidade. Neste sentido, os bens só alcançam seu apogeu (O Bem Supremo) quando este não tem outra finalidade além de si mesmo onde o homem através do seu agir possa alcançar a Felicidade ou seu fim.

O Bem aristotélico se encontra no sensível e disso já sabemos, pois este participa da questão ética moral do homem, é no agir, é na atividade e no exercício da ação do homem que o bem é definido por Aristóteles. O homem ao longo de sua vida anda sobre a terra buscando aquilo que lhe satisfaça, algo que lhe proporcione prazer e o faça alcançar a felicidade e o bem.

O homem tem em vista sempre um fim nas coisas e em suas ações (porém devemos entender que este bem ou fim é um bem particular e não o bem ou fim universal) que liga para um fim desejado, reforça Sangalli: “certas ações particulares tendem para a consecução de um fim que não passa de um meio para o um outro fim desejado”. (SANGALLI, 1998, p.40). Para isso deve-se entender como já foi esclarecido anteriormente que o bem enquanto meio não é o Bem Supremo ou a Felicidade tendo em si o termo grego εδαιμονία. É muito sutil a diferença de bem e de Bem Supremo. E esta sutileza está em todo agir humano e não na transcendência como assegura a idéia de Bem para Platão. Pode-se se dizer também que este bem é o bem em vista do outro e o Bem Supremo é o Bem em si.

Nota-se que Aristóteles define a natureza do bem e com isto quer encontrar qual o bem supremo do homem. É através dos bens relativos que vamos encontrar o melhor dos bens (o Bem Supremo), pois o fim de toda e qualquer ação ou atividade implica um fim ou outro Bem maior que é a realização perfeita desta causa final. Analisando a teoria hilemórfica do movimento físico (corpo e alma) o corpo tem na alma sua forma mais perfeita, ou seja, sua realização plena e causa formal. Explicitando melhor, o corpo por si não basta, é preciso, sobretudo a sua causa final que é a alma. Essa doutrina da causalidade visa um fim movimentando-se em direção a um Bem maior ou fim supremo. Neste sentido analisando a matéria e a forma iremos compreender que a matéria é ainda potência querendo se concretizar na mais perfeita forma que é o ato ou sua realização plena, ou seja, o corpo só concretiza ou se completa na alma que é  pura, objetivo final do corpo, da potencia querendo realizar-se em ato. Noutras palavras, fazendo uma certa analogia podemos comparar que o corpo é o bem enquanto a alma é o Bem Supremo, a εuδαιμονία ou a Felicidade.

A intenção principal da natureza é favorecer para que cada coisa possa atingir o aperfeiçoamento, atualizando assim a totalidade de suas disposições e potencialidades.2


1.2 O conceito de Felicidade ( )3


Entendido do que se trata no conceito de bem e dos bens particulares, vamos agora neste mesmo ritmo analisar o que vem a ser o melhor dos bens4, ou seja, o conceito de  ou Bem Supremo.

Numa hierarquia de bens existe aquele que é superior a certos bens, este por sua vez é o melhor dos bens e pode ser classificado como o Bem Supremo ou a Felicidade . Ora, a eudaimonia é nada mais que a posse dos bens, porque todos os bens se resumem nele, ou seja, encontra sua realização ou sua concretização, é como se comparasse o ato e potencia trabalhado por Aristóteles na metafísica. Seria a potencia os bens particulares e o ato o melhor dos bens (Felicidade), ou seja, o concretizado ou a atualizado.

O conceito de Felicidade que muitos preferem denominar como eudaimonia é inadequado e insuficiente para compreender o que Aristóteles quer dizer com fim supremo, Bem Supremo, Perfeição e absoluto. O termo “Felicidade” tem sua ambigüidade em diversos filósofos.5 Aristóteles sabe que há uma concordância universal no sentido de que a Felicidade é a busca última do homem, embora muitas pessoas não tomarem conhecimento em que ela consiste:


A maioria pensa que se trata de algo simples e óbvio, como o prazer, a riqueza ou as honrarias; mas até as pessoas componentes da maioria divergem entre si, e muitas vezes a mesma pessoa identifica o bem com coisas diferentes, dependendo das circunstâncias – com a saúde, quando ela está doente, e com a riqueza quando empobrece; cônscias, porém, de sua ignorância, elas admiram aqueles que propõem alguma coisa grandiosa e acima de sua compreensão (E.N. I, 4, 1095 a).


Quando fala da eudaimonia, Aristóteles analisa e identifica, no meio sócio-cultural, alguns tipos de vida para saber em qual delas é possível encontrar a Felicidade. A primeira é a vida dos prazeres, pois a grande maioria das pessoas gostam mais daquilo que lhes proporcione prazer6 e vulgaridade, a massa que, semelhante aos escravos prefere uma vida voltada integralmente aos prazeres sensitivos próprios dos animais. As pessoas de um certo nível elevado põem a Felicidade nas honrarias que por sua vez são objetos da vida política. Existem por vezes os que se dedicam a ganhar dinheiro e este tipo de viver para Aristóteles é uma vida vivida sob compulsão, no entender de que, quem faz da posse ou acumulo dos bens materiais o fim último jamais será satisfeito ou feliz. No entanto Aristóteles mostra, numa passagem importante de sua ética que é preciso certas condições materiais para o homem poder ser feliz:


Mas evidentemente, como já dissemos, a felicidade também requer bens exteriores, pois é impossível, ou na melhor das hipóteses não é fácil praticar belas ações sem instrumentos próprios. Em muitas ações usamos amigos e riquezas e poder político como instrumento, e há certas coisas cuja falta empana a felicidade – boa estirpe, bons filhos, beleza – pois o homem de má aparência, ou mal nascido, ou só no mundo e sem filhos e amigos forem irremediavelmente maus ou se, tendo tido bons filhos e amigos estes tiverem morrido. Como dissemos, então a felicidade parece requerer o complemento desta ventura, e é por isto que algumas pessoas identificam a felicidade com a boa sorte, embora outras a identifiquem com a excelência (E.N. I, 8, 1099 b)


Por último, Aristóteles encontra a Felicidade na bioz teoricoz (vida contemplativa), pois é ela a vida que corresponde a faculdade racional do homem, ou seja, tanto a atividade virtuosa (a prática) como a atividade pura da mente (a teoria) são sem sombra de dúvidas as partes constitutivas essenciais e indispensáveis da Felicidade.

Examinando cada uma dessas formas de vida, (vida do prazer, vida das virtudes e vida contemplativa), Aristóteles vai definindo o viver ideal do homem feliz, que deve ser um Bem Supremo, auto-suficiente e uma atividade constante. Neste sentido, para Aristóteles a Felicidade é escolhida por si mesma e nunca por algo mais. No entanto Aristóteles assegura que as honrarias, o prazer, a inteligência e todas as formas de excelência, escolhemo-las por causa da Felicidade, pensando que por meio delas seremos felizes. Além disso, Aristóteles deixa bem claro que a Felicidade ou o Bem Supremo é algo que existe em si mesmo, pois ele não depende das coisas e nem de nós.

A Felicidade também neste sentido encontra uma outra característica importante, ela é auto-suficiente como já falamos acima. Porque auto-suficiente? A Felicidade tem essa característica forte de ser auto-suficiente devido não depender de coisa alguma, ela existe em si mesma. Para Aristóteles, a Felicidade não pode ser algo transitório ou algo mutável, mas deve ter constância e firmeza, pois existe para acompanhar todo o percurso da vida humana:


A felicidade, como dissemos, pressupõe não somente a excelência perfeita mas também uma existência completa, pois muitas mudanças e vicissitudes de todos os tipos ocorrem no curso da vida, e as pessoas mais prósperas podem ser vitimas de grandes infortúnios na velhice, como se conta de Príamo na poesia heróica. Ninguém pode considerar feliz uma pessoa que experimentou tais vicissitudes e teve um fim tão lastimável (E.N. 1, 9, 1099 a,).


Depois de mostrar os requisitos necessários para se alcançar a Felicidade e lembrar que nesta são precisos os bens materiais, Aristóteles faz questão de também lembrar que a excelência humana significa não a do corpo, mas da alma. A felicidade deve entendida como atividade contemplativa, e como tal deve ser logicamente a contemplação de algo que possua ao mesmo tempo todos os atributos da eternidade, da perfeição, da auto-suficiência e da plenitude sendo, portanto uma atividade da alma conforme a excelência perfeita ou a reta razão.


1.3 A Felicidade como atividade da alma


Antes de analisarmos a felicidade como atividade da alma vamos abordar primeiramente em que consiste a alma em Aristóteles. Para Aristóteles a alma é o principio vital de todo e qualquer ser vivo, pois sem a alma os seres não teriam vidas. A alma se manifesta nas plantas, nos animais e tem seu grau mais elevado no homem, pois só o homem tem a capacidade de raciocinar. Conhecer o homem diz Aristóteles significa conhecer a sua alma e neste sentido mais abrangente, a sua antropologia e sua psicologia “[...] com efeito o conhecimento pertence ao domínio da alma, o mesmo se verificando com a sensação, a opinião e ainda com o desejo, a deliberação e finalmente com todos os apetites” (Da alma, I 411 a).

Para Aristóteles a alma é tripartida em alma intelectiva, alma sensitiva e alma vegetativa, sendo que ela possui duas naturezas; uma racional e a outra irracional. A parte racional é responsável pela alma intelectiva e a parte irracional responsável pela alma sensitiva e vegetativa. Aristóteles define a alma como principio do movimento7 dos seres, tudo que se move é causado pela potencialidade da alma e esta não pode ser movida e nem pensada. Não obstante, Aristóteles afirma que a alma jamais poderá ser separada do corpo. A alma por si não bastaria e nem mesmo só o corpo, é preciso algo que lhe complete e esse complemento é o corpo. No sentido mais claro, a alma é aquilo que causa o movimento e a vida nos seres animados. Ela, no entanto é “enteléquia8 primeira de um corpo natural orgânico”: (Da alma, II, 412b 5).


A alma é, com efeito, o principio do movimento, fim e ainda causa sendo substancia formal dos corpos animados. A circunstancia de ser a alma a substancia formal é suficientemente evidente; a causa do ser, em todas as coisas é a substancia formal. Viver é para aqueles que vivem o seu próprio ser, sendo a alma a sua causa e o seu principio, possuindo, além disso, o ser em potência e a enteléquia como forma. E também evidente o seguinte: a alma constitui a causa enquanto fim. Assim como se verifica com o intelecto ao agir perante em determinado fim, do mesmo modo procede a natureza em relação a determinado fim, sendo por isso mesmo que é possível dizer “fim” (Da alma, II, 415 b).



Para Aristóteles ao contrário de Platão no Fédon, o corpo e a alma formam uma unidade substancial9, sendo o corpo a matéria e alma a forma, em ultima instancia a alma e o corpo simultaneamente é a totalidade do eu. Neste sentido o corpo do homem é sempre um corpo com alma e a alma do homem é sempre uma alma incorporada, e não como dizia Platão: “a alma é cárcere do corpo”.

Portanto, dizer que o corpo é parte integrante do homem é dizer como ele é importante na medida em que ele é o modo pelo qual ela se apresenta, exercendo assim a sua utilidade. Aristóteles através de uma alegoria, tenta nos mostrar a intensidade dessa relação:


Se um olho fosse um animal, a visão seria conseqüentemente a alma, sendo esta a substancia do olho o que corresponde ao seu principio. Com efeito, assim constitui o olho a matéria da vista e, desaparecendo esta já não se poderá ser olho, apenas o sendo por homonímia, tal como o olho esculpido em pedra ou um olho pintado. É necessário, por conseguinte que se entenda ser aquilo que consiste numa parte em relação a totalidade do corpo com vida: assim como existe uma relação entre a parte, também existirá analogicamente uma relação entre a faculdade sensitiva na sua totalidade e todo o corpo dotado desta mesma qualidade. Além disso, não pode o corpo separado da alma viver por si mesmo modo, a semente e o fruto também são potencialmente corpos deste tipo. Então, como o ato de olhar ou de ver, também o estado de vigília o será em enteléquia, enquanto que a alma equivale a vista, é a potência; por outro lado, assim como a pupila e a vista podem formar um olho, nesta caso a alma e o corpo formarão do mesmo modo um corpo animado ( Da alma, II, 412 b)


Como já dissemos a alma em Aristóteles possui três faculdades de duas naturezas irracional (a-logon ) e racional (logon). É sabido que tanto a alma vegetativa como a alma sensitiva tem sua natureza no campo da irracionalidade e a alma intelectiva no nível da racionalidade. Contudo a alma sensitiva mesmo pertencendo a natureza da irracionalidade participa parcialmente da natureza da racionalidade sendo subordinada e comandada por esta (razão).

Agora examinaremos em particular cada uma delas, a começar pela alma vegetativa. Segundo Aristóteles a alma vegetativa é compreendida basicamente como o primeiro principio mais natural da vida dos seres, ou seja, o principio que comanda e regula as funções biológicas do organismo dos seres animados; nascimento, nutrição e o crescimento.


A alma nutritiva pertence tanto ao homem como aos outros seres vivos, sendo a primeira e a mais comum das faculdades da alma; através dela pode a vida ser concedida a todos os seres animados, sendo as suas funções respectivamente a geração e a nutrição. Com efeito, a mais natural de todas as funções de todo aquele ser que é perfeito, não incompleto e de geração não espontânea, consiste na sua capacidade conceber um outro ser vivo semelhante a si mesmo. O animal concebe o animal a planta a planta, participando tanto quanto possível do divino e do eterno10 (Da alma II, 415 a 25; 415b 5).



Ao analisar a compreensão de alma vegetativa como primeiro principio para explicar a geração, a nutrição e o crescimento, Aristóteles tenta de alguma maneira uma alternativa que seja diferente da dos naturalistas que entendiam como causa destes fenômenos, o fogo ou o calor, ou três gêneros de matéria. Para entendermos melhor esta situação tomamos David Ross para explicar como Aristóteles superou os naturalistas:


[...]Mesmo o fogo ou o calor não passam de uma causa auxiliadora da nutrição. Em todas as totalidades naturais existe um limite e uma proporção de crescimento e de tamanho – um limite de tamanho próprio a um animal de qualquer espécie dada, e uma proporção a ser observada entre as partes do seu corpo o que origina mudanças qualitativas na comida, assim como o timoneiro, ao mover a sua mão, produz o movimento do leme, originando a mudança de rumo do navio. A alma e um motor imóvel, a substancia que move sendo movida, a comida é simplesmente movida (isto é, alterada quimicamente), (ROSS, 1987, p.43).


O surgimento da alma em cada um dos seres vivos corresponde à intensidade da sua natureza e do seu movimento. Assim, nos vegetais como por exemplo, nas plantas se encontram somente a alma vegetativa; nos animais, a alma vegetativa e a sensitiva; já nos seres dotados de razão como é o caso do homem se encontra além das almas vegetativas e sensitivas a alma intelectiva. O homem para possuir a alma racional ou intelectiva, deve possuir as outras duas; vegetativa e sensitiva, da mesma forma, o animal para possuir a alma sensitiva deve possuir a vegetativa, enquanto que a vegetativa é independente dessas outras duas:


Esta capacidade de absorver alimento pode existir independentemente de todas as outras capacidades; todavia nos seres mortais, essas outras capacidades não podem existir sem essa capacidade, tal sendo evidente no caso das plantas; não possuindo elas, em relação a alma outra qualquer capacidade (Da alma, 413 b a).


A capacidade de alimentar-se é de fundamental importância para a sobrevivência e perpetuação de todos os seres vivos. Para que seja atribuída vida para determinado ser vivo, deve-o manifestar algumas características importantes como estas: nutrição, movimento, repouso, sensação e mente..

Outra alma que tem sua natureza irracional como já dissemos é a alma sensitiva, dela participam, principalmente os animais que além de possuírem a alma vegetativa como as plantas, possuem também sensações, apetites e movimento.


A sensação consiste em ser-se movido e em sofrer, como, aliás já também afirmamos anteriormente com efeito encara-se a sensação como uma espécie de alteração. Alguns pensadores afirmam que aquilo que é semelhante sofre a ação do seu semelhante: em que sentido poderá ser isto possível ou, então, impossível. Já o precisamos no nosso tratado acerca da ação e da paixão em geral. (Da alma, II 417 a-b 30).



Para Aristóteles a sensação é a realização da potencialidade, é, pode-se dizer, assim como um avanço de algo em direção a si própria e a sua atualidade ou concretização, ou também, para ficar mais claro um aperfeiçoamento. Giovanni Reale atesta isso ao dizer: “Assim, a faculdade sensitiva, de simples capacidade de sentir, torna-se sentir em ato.[...] Assim, ela sofre a ação enquanto não é semelhante; mas depois de sofrê-la, torna-se semelhante, sendo como o sensível” (REALE, 1990, p.200)

Enquanto temos o sensível no pensamento ele é potência, a priori, e quando sentimo-lo, é o ato, é o objetivo final, é a concretização, é a forma perfeita, assim só conseguiremos sentir o ato se tivermos o sentido do tato. Neste sentido a sensação é uma função que caracteriza o modo como os animais e os homens sentem o mundo exterior através dos seus sentidos. Aristóteles com relação aos outros sentidos coloca o tato como sentido principal e responsável pela e para a sobrevivência dos animais11:


Uma coisa resulta assim evidente: o sentido do tato é necessariamente aquele cuja privação implica a morte dos animais. Com efeito, não é possível que um ser possua esse sentido e não possa ser um animal, nem tão pouco será necessário possuir os outros sentidos, para além deste, para se ser um animal. (Da alma, II 435b).


A alma sensitiva possui além da vegetativa duas funções: o apetite e o movimento. O apetite é proveniente da sensação e o movimento, do desejo, contudo, o apetite e o movimento não são dotados de autonomia própria, pois ambas dependem da sensação.

Como já foi dito a alma intelectiva é a alma que diz respeita ao homem e isto o faz diferente de todas as coisas porque possui a característica da racionalidade12. Contudo, o homem para possuí-la tem que possuir também as outras duas, a saber: a vegetativa e a sensitiva.

A preocupação primeira de Aristóteles é exatamente determinar qual é a verdadeira natureza do ato de pensar, que para ele não pode ser ligado à sensibilidade, como queriam os pré-socráticos:


Quanto àquela parte da alma, a qual lhe permite conhecer e pensar, seja ela separável de si mesma ou, ainda, não separável de si mesma sofrendo a sua extensão respectiva, podendo aliás, sê-lo segundo a respectiva noção – é uma situação que é necessário examinar: ver qual será o caráter que a pode distinguir assim como precisar o próprio processo de intelecção. Se é a intelecção análoga à sensação, deverá ela constituir, nessa eventualidade, ou uma espécie de paixão sob efeito da ação daquilo que é inteligível ou então ser qualquer outra coisa semelhante. O principio da intelecção deve, portanto, ser inalterável,tendo por outro lado a capacidade de receber a forma ou algo enquanto forma (por isso, não pode ser idêntica a esta mesma) e, além disso, deverá ele proceder em relação aos objetos inteligíveis do mesmo modo que assim procede a faculdade dos sentidos em relação aos objetos sensíveis. (Da alma, IV. 429 a).


Toda potencia tem em vista o seu fim, o ato, pois o ato é nada mais que a concretização daquilo que buscava a perfeição, desse modo é o corpo querendo se realizar em sua forma ou na sua alma. Ao comentar Aristóteles, Reale reforça nosso entendimento quando diz:


Por si mesma, a inteligência é capacidade e potencia de conhecer as formas puras; por seu turno, as formas estão contidas em potencia nas sensações e nas imagens da fantasia; é necessário, portanto, algo que traduza em ato essa dupla potencialidade, d modo que o pensamento se concretiza captando a forma em ato e que a forma contida na imagem torne-se conceito possuído em ato. (REALE, 1990, p.201).



Para Aristóteles a parte da alma racional ou intelectiva não se reduz com o fim do movimento do corpo, é designada com o nome de “intelecto agente” que não deve ser entendido como Deus, mas que esta tem as características do individuo pela sua perenidade e Constância.

1 Uma pequena biografia cronológica da vida do autor. Em 384 a.C. Nasceu Aristóteles em Estagira, próximo de Pela, a capital da Macedônia. 373 a.C. Morrem seus pais; vai viver para casa de uma irmã em Mísia. O cunhado será o seu tutor. Torna-se amigo de Hermias que virá a ser o tirano de Assos. 367 a.C. Aos 17 anos Aristóteles freqüenta a Academia de Platão, em Atenas. - 356 a.C. Nasce Alexandre, filho de Filipe da Macedônia, 347 a.C. Morre Platão. Aristóteles não aceita Euspeusipo como novo director da Academia e parte para Assos, onde governa Hermias. Depois da morte deste vai para Mitilene, na ilha de Lesbos. - 343 a.C. Aos 41 anos Aristóteles parte para Pela, a fim de se ocupar da instrução de Alexandre. 340 a.C. Aos 44 anos Aristóteles volta para a sua terra natal, Estagira; casa com Pítia. Durante 5 anos gere as suas propriedades. 336 a.C. Filipe da Macedônia é assassinado. Sucede-lhe Alexandre. 335 a.C. Aos 49 anos Aristóteles abre o Liceu, em Atenas. Alexandre financia-lhe a construção e manutenção da escola. 323 a.C. Morre Alexandre. Aristóteles tem 61 anos; perseguido pelos gregos, foge para a ilha Eubeia, onde vive sua mãe. Em 322 a.C. Aristóteles Morre na ilha Eubeia, aos 62 anos, no mesmo ano em que morre Demóstenes.