O BEM E A FELICIDADE
Por Dom Gabriel Alves do Amaral, OSB
O Bem e a Felicidade são conceitos fundamentais da ética aristotélica. Tanto o bem como a Felicidade tomam o mesmo sentido se não soubermos interpretar a diferença sutil destes conceitos na visão aristotélica. No entanto, nos sub-temas que se seguem achamos por necessário abordar claramente a diferença sutil de bem e de Felicidade. Para isso foi necessário recorrermos a concepção platônica de bem para melhor comparar com a de Aristóteles.
Finalizaremos nosso capitulo com o sub-tema que diz respeita a questão da atividade da alma que é a felicidade. Nele falaremos de forma resumida as três faculdades da alma, a alma intelectiva, que tem sua natureza racional e alma vegetativa e a alma sensitiva que tem sua natureza irracional.
1.1 O conceito de Bem
Ao introduzirmos nosso trabalho sobre o conceito de Bem, vamos nos inspirar nas palavras de Will Durant a respeito de Aristóteles no seu processo de investigação das questões éticas.
E no entanto, à medida que ele evoluía e que os moços se reuniam em grande número à sua volta para serem instruídos e formados, sua mente passava cada vez mais dos detalhes da ciência para os problemas maiores e mais vagos da conduta e do caráter. Passou a perceber mais claramente que, acima de todas as questões do mundo físico, pairava a questão das questões; qual a melhor vida? Qual o bem supremo da vida? O que é virtude? Como vamos encontrar felicidade e satisfação? (DURANT, 1996, p.90).
Com estas palavras podemos compreender com que Aristóteles estava preocupado. Para ele todo agir humano persegue um fim último das coisas e este por sua vez é entendido como o bem que todo homem busca. O bem é uma espécie de imã para o qual todas as coisas tendem. Em Aristóteles o bem pode ser entendido como o estágio final de uma coisa quando esta conseguiu atualizar o conjunto de suas potencialidades de acordo com sua natureza. Para Aristóteles todos os seres estão destinados a um certo fim que lhes é previamente indicado pela natureza, diante disso toda ética aristotélica tem um caráter teleológico, pois a busca da ética é a busca de um fim e diga-se de passagem a do próprio ser humano. Neste sentido, toda atividade possui seu fim, ou em si mesma, ou em outra coisa, isso implica a palavra grega (τελος = fim), ou seja, para onde todos os seres tendem. O fim ou finalidade poderia dar lugar a palavra plenitude ou plenificação, pois neste sentido concorda com a idéia aristotélica de que a causa final coincide de certa maneira com a “forma” (essência) para a qual se movimentam todos os seres.
A caracterização do télos como fim, finalidade ou mesmo completude, não só aqui para Aristóteles, mas para toda a especulação teleológica antiga. [...] No âmbito da ética, o sentido de télos como conceito ético, e não como um conceito meramente psicológico ou do mundo físico e do metafísico, denota para Aristóteles o trabalhoso esforço da ação humana como fim do agir humano [...] como fim de uma ação [...]. (SANGALLI, 1998, p.41).
No seu livro da Ética a Nicômaco, Aristóteles nos deixa bem claro em que consiste o bem: “toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito, visam a algum bem; por isto foi dito acertadamente que o bem é aquilo a que todas as coisas visam. (E.N. I, 1, 1094 a)
Assim é preciso esclarecer que o bem de que estamos trabalhando não é ainda sua posse, ou seja, a eudaimonia ou o Bem supremo, a Felicidade. Neste sentido Aristóteles classifica que o “bem da medicina é a saúde, da construção naval, é a nau, da estratégia, a vitória e da economia é a riqueza (E.N. I, 1, 1094 a)
Para entendermos o bem aristotélico é preciso antes de tudo entendermos o bem platônico. Aristóteles nega o bem platônico, na medida em que este é uma idéia transcendente perfeita que comporta todos os outros bens imperfeitos que numa linguagem platônica são entendidos por cópias do original. A diferença do bem em Platão em relação com o de Aristóteles é que aquele está no mundo inteligível, enquanto que para Aristóteles o bem está no mundo sensível, físico ou empírico.
Assim Aristóteles contraria Platão no tocante à existência de uma e única idéia do Bem; para o estagirita o Bem embora sendo um conceito idêntico se manifesta de várias formas. Esses bens devem ser entendidos como meio e não como fim ou sua causa final que é a eudaimonia ou a Felicidade. Neste sentido, os bens só alcançam seu apogeu (O Bem Supremo) quando este não tem outra finalidade além de si mesmo onde o homem através do seu agir possa alcançar a Felicidade ou seu fim.
O Bem aristotélico se encontra no sensível e disso já sabemos, pois este participa da questão ética moral do homem, é no agir, é na atividade e no exercício da ação do homem que o bem é definido por Aristóteles. O homem ao longo de sua vida anda sobre a terra buscando aquilo que lhe satisfaça, algo que lhe proporcione prazer e o faça alcançar a felicidade e o bem.
O homem tem em vista sempre um fim nas coisas e em suas ações (porém devemos entender que este bem ou fim é um bem particular e não o bem ou fim universal) que liga para um fim desejado, reforça Sangalli: “certas ações particulares tendem para a consecução de um fim que não passa de um meio para o um outro fim desejado”. (SANGALLI, 1998, p.40). Para isso deve-se entender como já foi esclarecido anteriormente que o bem enquanto meio não é o Bem Supremo ou a Felicidade tendo em si o termo grego εὐδαιμονία. É muito sutil a diferença de bem e de Bem Supremo. E esta sutileza está em todo agir humano e não na transcendência como assegura a idéia de Bem para Platão. Pode-se se dizer também que este bem é o bem em vista do outro e o Bem Supremo é o Bem em si.
Nota-se que Aristóteles define a natureza do bem e com isto quer encontrar qual o bem supremo do homem. É através dos bens relativos que vamos encontrar o melhor dos bens (o Bem Supremo), pois o fim de toda e qualquer ação ou atividade implica um fim ou outro Bem maior que é a realização perfeita desta causa final. Analisando a teoria hilemórfica do movimento físico (corpo e alma) o corpo tem na alma sua forma mais perfeita, ou seja, sua realização plena e causa formal. Explicitando melhor, o corpo por si não basta, é preciso, sobretudo a sua causa final que é a alma. Essa doutrina da causalidade visa um fim movimentando-se em direção a um Bem maior ou fim supremo. Neste sentido analisando a matéria e a forma iremos compreender que a matéria é ainda potência querendo se concretizar na mais perfeita forma que é o ato ou sua realização plena, ou seja, o corpo só concretiza ou se completa na alma que é pura, objetivo final do corpo, da potencia querendo realizar-se em ato. Noutras palavras, fazendo uma certa analogia podemos comparar que o corpo é o bem enquanto a alma é o Bem Supremo, a εuδαιμονία ou a Felicidade.
A intenção principal da natureza é favorecer para que cada coisa possa atingir o aperfeiçoamento, atualizando assim a totalidade de suas disposições e potencialidades.
1.2 O conceito de Felicidade ( )
Entendido do que se trata no conceito de bem e dos bens particulares, vamos agora neste mesmo ritmo analisar o que vem a ser o melhor dos bens, ou seja, o conceito de ou Bem Supremo.
Numa hierarquia de bens existe aquele que é superior a certos bens, este por sua vez é o melhor dos bens e pode ser classificado como o Bem Supremo ou a Felicidade . Ora, a eudaimonia é nada mais que a posse dos bens, porque todos os bens se resumem nele, ou seja, encontra sua realização ou sua concretização, é como se comparasse o ato e potencia trabalhado por Aristóteles na metafísica. Seria a potencia os bens particulares e o ato o melhor dos bens (Felicidade), ou seja, o concretizado ou a atualizado.
O conceito de Felicidade que muitos preferem denominar como eudaimonia é inadequado e insuficiente para compreender o que Aristóteles quer dizer com fim supremo, Bem Supremo, Perfeição e absoluto. O termo “Felicidade” tem sua ambigüidade em diversos filósofos. Aristóteles sabe que há uma concordância universal no sentido de que a Felicidade é a busca última do homem, embora muitas pessoas não tomarem conhecimento em que ela consiste:
A maioria pensa que se trata de algo simples e óbvio, como o prazer, a riqueza ou as honrarias; mas até as pessoas componentes da maioria divergem entre si, e muitas vezes a mesma pessoa identifica o bem com coisas diferentes, dependendo das circunstâncias – com a saúde, quando ela está doente, e com a riqueza quando empobrece; cônscias, porém, de sua ignorância, elas admiram aqueles que propõem alguma coisa grandiosa e acima de sua compreensão (E.N. I, 4, 1095 a).
Quando fala da eudaimonia, Aristóteles analisa e identifica, no meio sócio-cultural, alguns tipos de vida para saber em qual delas é possível encontrar a Felicidade. A primeira é a vida dos prazeres, pois a grande maioria das pessoas gostam mais daquilo que lhes proporcione prazer e vulgaridade, a massa que, semelhante aos escravos prefere uma vida voltada integralmente aos prazeres sensitivos próprios dos animais. As pessoas de um certo nível elevado põem a Felicidade nas honrarias que por sua vez são objetos da vida política. Existem por vezes os que se dedicam a ganhar dinheiro e este tipo de viver para Aristóteles é uma vida vivida sob compulsão, no entender de que, quem faz da posse ou acumulo dos bens materiais o fim último jamais será satisfeito ou feliz. No entanto Aristóteles mostra, numa passagem importante de sua ética que é preciso certas condições materiais para o homem poder ser feliz:
Mas evidentemente, como já dissemos, a felicidade também requer bens exteriores, pois é impossível, ou na melhor das hipóteses não é fácil praticar belas ações sem instrumentos próprios. Em muitas ações usamos amigos e riquezas e poder político como instrumento, e há certas coisas cuja falta empana a felicidade – boa estirpe, bons filhos, beleza – pois o homem de má aparência, ou mal nascido, ou só no mundo e sem filhos e amigos forem irremediavelmente maus ou se, tendo tido bons filhos e amigos estes tiverem morrido. Como dissemos, então a felicidade parece requerer o complemento desta ventura, e é por isto que algumas pessoas identificam a felicidade com a boa sorte, embora outras a identifiquem com a excelência (E.N. I, 8, 1099 b)
Por último, Aristóteles encontra a Felicidade na bioz teoricoz (vida contemplativa), pois é ela a vida que corresponde a faculdade racional do homem, ou seja, tanto a atividade virtuosa (a prática) como a atividade pura da mente (a teoria) são sem sombra de dúvidas as partes constitutivas essenciais e indispensáveis da Felicidade.
Examinando cada uma dessas formas de vida, (vida do prazer, vida das virtudes e vida contemplativa), Aristóteles vai definindo o viver ideal do homem feliz, que deve ser um Bem Supremo, auto-suficiente e uma atividade constante. Neste sentido, para Aristóteles a Felicidade é escolhida por si mesma e nunca por algo mais. No entanto Aristóteles assegura que as honrarias, o prazer, a inteligência e todas as formas de excelência, escolhemo-las por causa da Felicidade, pensando que por meio delas seremos felizes. Além disso, Aristóteles deixa bem claro que a Felicidade ou o Bem Supremo é algo que existe em si mesmo, pois ele não depende das coisas e nem de nós.
A Felicidade também neste sentido encontra uma outra característica importante, ela é auto-suficiente como já falamos acima. Porque auto-suficiente? A Felicidade tem essa característica forte de ser auto-suficiente devido não depender de coisa alguma, ela existe em si mesma. Para Aristóteles, a Felicidade não pode ser algo transitório ou algo mutável, mas deve ter constância e firmeza, pois existe para acompanhar todo o percurso da vida humana:
A felicidade, como dissemos, pressupõe não somente a excelência perfeita mas também uma existência completa, pois muitas mudanças e vicissitudes de todos os tipos ocorrem no curso da vida, e as pessoas mais prósperas podem ser vitimas de grandes infortúnios na velhice, como se conta de Príamo na poesia heróica. Ninguém pode considerar feliz uma pessoa que experimentou tais vicissitudes e teve um fim tão lastimável (E.N. 1, 9, 1099 a,).
Depois de mostrar os requisitos necessários para se alcançar a Felicidade e lembrar que nesta são precisos os bens materiais, Aristóteles faz questão de também lembrar que a excelência humana significa não a do corpo, mas da alma. A felicidade deve entendida como atividade contemplativa, e como tal deve ser logicamente a contemplação de algo que possua ao mesmo tempo todos os atributos da eternidade, da perfeição, da auto-suficiência e da plenitude sendo, portanto uma atividade da alma conforme a excelência perfeita ou a reta razão.
1.3 A Felicidade como atividade da alma
Antes de analisarmos a felicidade como atividade da alma vamos abordar primeiramente em que consiste a alma em Aristóteles. Para Aristóteles a alma é o principio vital de todo e qualquer ser vivo, pois sem a alma os seres não teriam vidas. A alma se manifesta nas plantas, nos animais e tem seu grau mais elevado no homem, pois só o homem tem a capacidade de raciocinar. Conhecer o homem diz Aristóteles significa conhecer a sua alma e neste sentido mais abrangente, a sua antropologia e sua psicologia “[...] com efeito o conhecimento pertence ao domínio da alma, o mesmo se verificando com a sensação, a opinião e ainda com o desejo, a deliberação e finalmente com todos os apetites” (Da alma, I 411 a).
Para Aristóteles a alma é tripartida em alma intelectiva, alma sensitiva e alma vegetativa, sendo que ela possui duas naturezas; uma racional e a outra irracional. A parte racional é responsável pela alma intelectiva e a parte irracional responsável pela alma sensitiva e vegetativa. Aristóteles define a alma como principio do movimento dos seres, tudo que se move é causado pela potencialidade da alma e esta não pode ser movida e nem pensada. Não obstante, Aristóteles afirma que a alma jamais poderá ser separada do corpo. A alma por si não bastaria e nem mesmo só o corpo, é preciso algo que lhe complete e esse complemento é o corpo. No sentido mais claro, a alma é aquilo que causa o movimento e a vida nos seres animados. Ela, no entanto é “enteléquia primeira de um corpo natural orgânico”: (Da alma, II, 412b 5).
A alma é, com efeito, o principio do movimento, fim e ainda causa sendo substancia formal dos corpos animados. A circunstancia de ser a alma a substancia formal é suficientemente evidente; a causa do ser, em todas as coisas é a substancia formal. Viver é para aqueles que vivem o seu próprio ser, sendo a alma a sua causa e o seu principio, possuindo, além disso, o ser em potência e a enteléquia como forma. E também evidente o seguinte: a alma constitui a causa enquanto fim. Assim como se verifica com o intelecto ao agir perante em determinado fim, do mesmo modo procede a natureza em relação a determinado fim, sendo por isso mesmo que é possível dizer “fim” (Da alma, II, 415 b).
Para Aristóteles ao contrário de Platão no Fédon, o corpo e a alma formam uma unidade substancial, sendo o corpo a matéria e alma a forma, em ultima instancia a alma e o corpo simultaneamente é a totalidade do eu. Neste sentido o corpo do homem é sempre um corpo com alma e a alma do homem é sempre uma alma incorporada, e não como dizia Platão: “a alma é cárcere do corpo”.
Portanto, dizer que o corpo é parte integrante do homem é dizer como ele é importante na medida em que ele é o modo pelo qual ela se apresenta, exercendo assim a sua utilidade. Aristóteles através de uma alegoria, tenta nos mostrar a intensidade dessa relação:
Se um olho fosse um animal, a visão seria conseqüentemente a alma, sendo esta a substancia do olho o que corresponde ao seu principio. Com efeito, assim constitui o olho a matéria da vista e, desaparecendo esta já não se poderá ser olho, apenas o sendo por homonímia, tal como o olho esculpido em pedra ou um olho pintado. É necessário, por conseguinte que se entenda ser aquilo que consiste numa parte em relação a totalidade do corpo com vida: assim como existe uma relação entre a parte, também existirá analogicamente uma relação entre a faculdade sensitiva na sua totalidade e todo o corpo dotado desta mesma qualidade. Além disso, não pode o corpo separado da alma viver por si mesmo modo, a semente e o fruto também são potencialmente corpos deste tipo. Então, como o ato de olhar ou de ver, também o estado de vigília o será em enteléquia, enquanto que a alma equivale a vista, é a potência; por outro lado, assim como a pupila e a vista podem formar um olho, nesta caso a alma e o corpo formarão do mesmo modo um corpo animado ( Da alma, II, 412 b)
Como já dissemos a alma em Aristóteles possui três faculdades de duas naturezas irracional (a-logon ) e racional (logon). É sabido que tanto a alma vegetativa como a alma sensitiva tem sua natureza no campo da irracionalidade e a alma intelectiva no nível da racionalidade. Contudo a alma sensitiva mesmo pertencendo a natureza da irracionalidade participa parcialmente da natureza da racionalidade sendo subordinada e comandada por esta (razão).
Agora examinaremos em particular cada uma delas, a começar pela alma vegetativa. Segundo Aristóteles a alma vegetativa é compreendida basicamente como o primeiro principio mais natural da vida dos seres, ou seja, o principio que comanda e regula as funções biológicas do organismo dos seres animados; nascimento, nutrição e o crescimento.
A alma nutritiva pertence tanto ao homem como aos outros seres vivos, sendo a primeira e a mais comum das faculdades da alma; através dela pode a vida ser concedida a todos os seres animados, sendo as suas funções respectivamente a geração e a nutrição. Com efeito, a mais natural de todas as funções de todo aquele ser que é perfeito, não incompleto e de geração não espontânea, consiste na sua capacidade conceber um outro ser vivo semelhante a si mesmo. O animal concebe o animal a planta a planta, participando tanto quanto possível do divino e do eterno (Da alma II, 415 a 25; 415b 5).
Ao analisar a compreensão de alma vegetativa como primeiro principio para explicar a geração, a nutrição e o crescimento, Aristóteles tenta de alguma maneira uma alternativa que seja diferente da dos naturalistas que entendiam como causa destes fenômenos, o fogo ou o calor, ou três gêneros de matéria. Para entendermos melhor esta situação tomamos David Ross para explicar como Aristóteles superou os naturalistas:
[...]Mesmo o fogo ou o calor não passam de uma causa auxiliadora da nutrição. Em todas as totalidades naturais existe um limite e uma proporção de crescimento e de tamanho – um limite de tamanho próprio a um animal de qualquer espécie dada, e uma proporção a ser observada entre as partes do seu corpo o que origina mudanças qualitativas na comida, assim como o timoneiro, ao mover a sua mão, produz o movimento do leme, originando a mudança de rumo do navio. A alma e um motor imóvel, a substancia que move sendo movida, a comida é simplesmente movida (isto é, alterada quimicamente), (ROSS, 1987, p.43).
O surgimento da alma em cada um dos seres vivos corresponde à intensidade da sua natureza e do seu movimento. Assim, nos vegetais como por exemplo, nas plantas se encontram somente a alma vegetativa; nos animais, a alma vegetativa e a sensitiva; já nos seres dotados de razão como é o caso do homem se encontra além das almas vegetativas e sensitivas a alma intelectiva. O homem para possuir a alma racional ou intelectiva, deve possuir as outras duas; vegetativa e sensitiva, da mesma forma, o animal para possuir a alma sensitiva deve possuir a vegetativa, enquanto que a vegetativa é independente dessas outras duas:
Esta capacidade de absorver alimento pode existir independentemente de todas as outras capacidades; todavia nos seres mortais, essas outras capacidades não podem existir sem essa capacidade, tal sendo evidente no caso das plantas; não possuindo elas, em relação a alma outra qualquer capacidade (Da alma, 413 b a).
A capacidade de alimentar-se é de fundamental importância para a sobrevivência e perpetuação de todos os seres vivos. Para que seja atribuída vida para determinado ser vivo, deve-o manifestar algumas características importantes como estas: nutrição, movimento, repouso, sensação e mente..
Outra alma que tem sua natureza irracional como já dissemos é a alma sensitiva, dela participam, principalmente os animais que além de possuírem a alma vegetativa como as plantas, possuem também sensações, apetites e movimento.
A sensação consiste em ser-se movido e em sofrer, como, aliás já também afirmamos anteriormente com efeito encara-se a sensação como uma espécie de alteração. Alguns pensadores afirmam que aquilo que é semelhante sofre a ação do seu semelhante: em que sentido poderá ser isto possível ou, então, impossível. Já o precisamos no nosso tratado acerca da ação e da paixão em geral. (Da alma, II 417 a-b 30).
Para Aristóteles a sensação é a realização da potencialidade, é, pode-se dizer, assim como um avanço de algo em direção a si própria e a sua atualidade ou concretização, ou também, para ficar mais claro um aperfeiçoamento. Giovanni Reale atesta isso ao dizer: “Assim, a faculdade sensitiva, de simples capacidade de sentir, torna-se sentir em ato.[...] Assim, ela sofre a ação enquanto não é semelhante; mas depois de sofrê-la, torna-se semelhante, sendo como o sensível” (REALE, 1990, p.200)
Enquanto temos o sensível no pensamento ele é potência, a priori, e quando sentimo-lo, é o ato, é o objetivo final, é a concretização, é a forma perfeita, assim só conseguiremos sentir o ato se tivermos o sentido do tato. Neste sentido a sensação é uma função que caracteriza o modo como os animais e os homens sentem o mundo exterior através dos seus sentidos. Aristóteles com relação aos outros sentidos coloca o tato como sentido principal e responsável pela e para a sobrevivência dos animais:
Uma coisa resulta assim evidente: o sentido do tato é necessariamente aquele cuja privação implica a morte dos animais. Com efeito, não é possível que um ser possua esse sentido e não possa ser um animal, nem tão pouco será necessário possuir os outros sentidos, para além deste, para se ser um animal. (Da alma, II 435b).
A alma sensitiva possui além da vegetativa duas funções: o apetite e o movimento. O apetite é proveniente da sensação e o movimento, do desejo, contudo, o apetite e o movimento não são dotados de autonomia própria, pois ambas dependem da sensação.
Como já foi dito a alma intelectiva é a alma que diz respeita ao homem e isto o faz diferente de todas as coisas porque possui a característica da racionalidade. Contudo, o homem para possuí-la tem que possuir também as outras duas, a saber: a vegetativa e a sensitiva.
A preocupação primeira de Aristóteles é exatamente determinar qual é a verdadeira natureza do ato de pensar, que para ele não pode ser ligado à sensibilidade, como queriam os pré-socráticos:
Quanto àquela parte da alma, a qual lhe permite conhecer e pensar, seja ela separável de si mesma ou, ainda, não separável de si mesma sofrendo a sua extensão respectiva, podendo aliás, sê-lo segundo a respectiva noção – é uma situação que é necessário examinar: ver qual será o caráter que a pode distinguir assim como precisar o próprio processo de intelecção. Se é a intelecção análoga à sensação, deverá ela constituir, nessa eventualidade, ou uma espécie de paixão sob efeito da ação daquilo que é inteligível ou então ser qualquer outra coisa semelhante. O principio da intelecção deve, portanto, ser inalterável,tendo por outro lado a capacidade de receber a forma ou algo enquanto forma (por isso, não pode ser idêntica a esta mesma) e, além disso, deverá ele proceder em relação aos objetos inteligíveis do mesmo modo que assim procede a faculdade dos sentidos em relação aos objetos sensíveis. (Da alma, IV. 429 a).
Toda potencia tem em vista o seu fim, o ato, pois o ato é nada mais que a concretização daquilo que buscava a perfeição, desse modo é o corpo querendo se realizar em sua forma ou na sua alma. Ao comentar Aristóteles, Reale reforça nosso entendimento quando diz:
Por si mesma, a inteligência é capacidade e potencia de conhecer as formas puras; por seu turno, as formas estão contidas em potencia nas sensações e nas imagens da fantasia; é necessário, portanto, algo que traduza em ato essa dupla potencialidade, d modo que o pensamento se concretiza captando a forma em ato e que a forma contida na imagem torne-se conceito possuído em ato. (REALE, 1990, p.201).
Para Aristóteles a parte da alma racional ou intelectiva não se reduz com o fim do movimento do corpo, é designada com o nome de “intelecto agente” que não deve ser entendido como Deus, mas que esta tem as características do individuo pela sua perenidade e Constância.